Crítica - Cinema/Documentário
Filme enquadra vida arrojada de Cássia de forma tradicional
Trajetória vulcânica e metamorfoses dos 20 anos de carreira da cantora são retratadas em obra completa e correta, mas quadrada
Irreverente e audaciosa, Cássia Eller rompeu barreiras. Cantando no palco ou vivendo um turbulento cotidiano pessoal, não se importou em perturbar sensibilidades mais conservadoras.
Sua trajetória vulcânica está em "Cássia Eller", de Paulo Henrique Fontenelle. O documentário mostra as metamorfoses da cantora que, em 20 anos de carreira, eletrizou o público com interpretações vigorosas de "Malandragem" e "Admirável Gado Novo".
Uma Cássia adolescente surge sapeca numa gravação de auditório. Depois, ela conquista espaço e personalidade, ganhando plateias com gestos agressivos, voz poderosa e repertório múltiplo.
O filme recupera entrevistas da cantora, nas quais ela aparece tensa e incômoda ao falar do próprio trabalho. Fontenelle ("Loki" e "Dossiê Jango") destaca como Cássia se transformava nos palcos.
A música era uma válvula de escape para a timidez crônica, uma face pouco explorada da artista. No campo pessoal, o filme trata de drogas e de amores. Cássia nunca tentou esconder sua homossexualidade. Ao contrário, fazia questão de escancará-la.
O nascimento do filho Chicão, em 1993, fruto de um relacionamento com um músico de sua banda que morreu pouco antes do parto, é colocado como ponto de virada na história. É a partir daí que a cantora busca também caminhos menos estridentes.
No documentário, Cássia fica tocada com a crítica de Chicão, que acha que a mãe mais berra do que canta. Dividida entre a serenidade da vida caseira e a contundência nos palcos, encara problemas financeiros, rotinas mirabolantes de shows e revela uma permanente insatisfação.
Sua morte prematura (infarto do miocárdio), em 2001, aos 39 anos, provocou novos debates. Um, sobre a guarda do filho, que ficou com sua companheira Maria Eugênia Vieira Martins. Outro, sobre sensacionalismo da imprensa.
Com esse farto e turbulento material, Fontenelle faz um filme completo, correto e quadrado. Às vezes exagerando no uso de recursos gráficos discutíveis, coloca uma trajetória arrojada dentro de um figurino tradicional. Vale muito como tributo.