São Paulo, sexta-feira, 02 de setembro de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ O RELATÓRIO DAS CPIS

Relatores enumeram oito crimes supostamente cometidos pelos parlamentares

CPIs aprovam pedido de cassação de 18 deputados

RANIER BRAGON
FERNANDA KRAKOVICS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

CHICO DE GOIS
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

As CPIs dos Correios e do Mensalão aprovaram ontem por unanimidade um relatório parcial de 61 páginas em que acusam 18 deputados federais, entre eles o ex-ministro José Dirceu (PT-SP), de "um amplo conjunto de crimes políticos expressivos" que teriam sido cometidos no chamado escândalo do "mensalão".
O documento, que pede a abertura de processo de cassação contra os deputados, resume em oito os crimes e as irregularidades praticadas e faz ainda uma crítica direta ao governo Luiz Inácio Lula da Silva -passou de um "sonho de um Brasil diferente" para um "misto de decepção e indignação por conta da corrupção política".
Sete dos 18 deputados acusados são do PT -entre eles o ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (SP). Quatro são do PP, três do PL, dois do PTB, um do PMDB e um do PFL -Roberto Brant, o único da oposição na lista. Há acusações ainda contra Valdemar Costa Neto (PL-SP), que já renunciou ao mandato para preservar os direitos políticos -que seriam cassados, em caso de condenação- e poder concorrer em 2006.
O critério anunciado pelos dois deputados que relatam as CPIs, Osmar Serraglio (PMDB-PR), dos Correios, e Ibrahim Abi-Ackel (PP-MG), do Mensalão, é a lista dos beneficiários dos saques feitos nas contas de Marcos Valério Fernandes de Souza, o suposto "operador" do "mensalão", apesar de Dirceu, Sandro Mabel (PL-GO) e Pedro Henry (PP-MT) escaparem a essa lógica.
Os relatores não incluíram no parecer o senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), cuja campanha à reeleição ao governo de Minas recebeu dinheiro de Marcos Valério, através de caixa dois. Ele afirmou que a CPI ainda investigará esse caso.
"Sentimo-nos na obrigação de afirmar, de maneira inequívoca, que (...) existem elementos bastantes que podem demonstrar que os desvios de conduta por parte dos deputados federais aqui citados indicam a quebra de decoro parlamentar", afirma o relatório, que acrescenta: "Quando menos, pelo grave dano à imagem do Congresso Nacional, pelo comprometimento da atividade política, pela lesão à democracia representativa, (...) enfim, por um amplo conjunto de crimes políticos expressivos o bastante para justificar a abertura de processo de perda de mandato".
A lista segue agora para o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), que marcou para o dia 13 a reunião da Mesa que decidirá contra quais parlamentares serão abertos processos de cassação no Conselho de Ética. Dos 18 acusados, quatro já sofrem processo de cassação no conselho.
Severino defendeu em entrevista à Folha uma pena mais "branda" para os acusados de caixa dois. Serraglio disse ontem não ter "nenhuma preocupação" com uma possível ação protelatória de Severino, lembrando que qualquer partido político pode subscrever a acusação e, com isso, forçar a abertura de processo.

Crimes
Entre os crimes listados no relatório preliminar das CPIs, estão o de improbidade administrativa, corrupção passiva e ativa, prevaricação, infração a legislação eleitoral e sonegação fiscal. O crime de tráfico de influência é apenas insinuado no corpo do relatório.
Serraglio e Abi-Ackel abriram o texto com uma citação à filósofa alemã Hannah Arendt, analisando a obediência dos carrascos nazistas a seus chefes durante o julgamento de Adolf Eichmann, um dos responsáveis pelo Holocausto: "A pergunta endereçada àqueles que participavam e obedeceram a ordens nunca deveria ser: "Por que vocês obedeceram?", mas: "Por que vocês apoiaram?'".
A sessão transcorreu sem sobressaltos. O presidente da CPI do Mensalão, senador Amir Lando (PMDB-RO), proibiu o pedido de "vista" ao relatório parcial, argumentando que os "ajustes" serão feitos no Conselho de Ética.
Houve acordo também para que não houvesse discursos, o que só foi desrespeitado pelo PFL. Rodrigo Maia (RJ), líder do partido na Câmara, fez uma defesa de Roberto Brant, dizendo que confia na inocência do correligionário.
O relatório das duas CPIs condena ainda a prática do caixa dois -"Não há legitimidade em mandato financiado com caixa dois"- e confirma a existência do "mensalão", dizendo: "O que resta inconteste é o recebimento de dinheiro por parlamentares e dirigentes de partidos que integram a base de sustentação do governo na Câmara dos Deputados". Segundo o documento, "o que menos importa" é a periodicidade dos pagamentos.
O texto classifica como "desculpa esfarrapada" a versão de que foram empréstimos tomados nos bancos Rural e BMG a origem dos R$ 55 milhões que teriam sido repassados por Valério ao PT e a aliados. "Para quem não se recusa a enxergar, surge claro como a luz do sol que essa singela justificativa não passa de uma desculpa esfarrapada combinada entre Marcos Valério e Delúbio Soares [ex-tesoureiro do PT]", diz o texto.
As CPIs sustentam ainda acreditar que a origem dos recursos é ilícita. "É perfeitamente plausível a tese de que os empréstimos foram simulados para dar aparência lícita a dinheiro de origem ilícita, que seria destinado ao bolso de políticos, sob o falso argumento do pagamento de dívidas passadas." O relatório informa que a CPI dos Correios só conseguiu comprovar o destino de R$ 32 milhões dos R$ 55 milhões.
O relatório parcial afirma também que não há clima para "impeachment" do presidente, mas o mesmo entendimento não se aplicaria aos parlamentares. "Há um clamor nacional por punição".
O texto, porém, faz uma dura crítica ao governo do PT. "Em 2003, com a posse do novo governo, vivia-se um sonho de um Brasil diferente, com inclusão social, participação popular, boa escola e salário digno. Hoje, ao contrário, percebe-se um sentimento generalizado, misto de decepção e indignação por conta da corrupção política praticada pelos dirigentes de alguns partidos políticos e pelas suspeitas que pairam sobre membros do Congresso."
Entre os acusados, coube a Dirceu o maior volume de páginas -sete. No final do relato sobre as suspeitas que pairam contra o ex-ministro, as CPIs dão a entender que defendem punição sem olhar "para relações políticas". "Estamos plenamente de acordo com o que afirmou o presidente do PT, Tarso Genro, ao deixar o cargo de ministro: "Se o partido não se acostumar a aplicar duramente a norma daqui para frente, seja para quem for, não vai dar uma contribuição para a democracia"."


Texto Anterior: Painel
Próximo Texto: Escândalo do "mensalão"/O relatório das CPIs: Texto se apóia em Jefferson para citar Dirceu
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.