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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ O RELATÓRIO DAS CPIS
Relatores enumeram oito crimes supostamente cometidos pelos parlamentares
CPIs aprovam pedido de cassação de 18 deputados
RANIER BRAGON
FERNANDA KRAKOVICS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
CHICO DE GOIS
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA
As CPIs dos Correios e do Mensalão aprovaram ontem por unanimidade um relatório parcial de
61 páginas em que acusam 18 deputados federais, entre eles o ex-ministro José Dirceu (PT-SP), de
"um amplo conjunto de crimes
políticos expressivos" que teriam
sido cometidos no chamado escândalo do "mensalão".
O documento, que pede a abertura de processo de cassação contra os deputados, resume em oito
os crimes e as irregularidades praticadas e faz ainda uma crítica direta ao governo Luiz Inácio Lula
da Silva -passou de um "sonho
de um Brasil diferente" para um
"misto de decepção e indignação
por conta da corrupção política".
Sete dos 18 deputados acusados
são do PT -entre eles o ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (SP). Quatro são do PP, três
do PL, dois do PTB, um do PMDB
e um do PFL -Roberto Brant, o
único da oposição na lista. Há
acusações ainda contra Valdemar
Costa Neto (PL-SP), que já renunciou ao mandato para preservar
os direitos políticos -que seriam
cassados, em caso de condenação- e poder concorrer em 2006.
O critério anunciado pelos dois
deputados que relatam as CPIs,
Osmar Serraglio (PMDB-PR), dos
Correios, e Ibrahim Abi-Ackel
(PP-MG), do Mensalão, é a lista
dos beneficiários dos saques feitos nas contas de Marcos Valério
Fernandes de Souza, o suposto
"operador" do "mensalão", apesar de Dirceu, Sandro Mabel (PL-GO) e Pedro Henry (PP-MT) escaparem a essa lógica.
Os relatores não incluíram no
parecer o senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), cuja campanha
à reeleição ao governo de Minas
recebeu dinheiro de Marcos Valério, através de caixa dois. Ele afirmou que a CPI ainda investigará
esse caso.
"Sentimo-nos na obrigação de
afirmar, de maneira inequívoca,
que (...) existem elementos bastantes que podem demonstrar
que os desvios de conduta por
parte dos deputados federais aqui
citados indicam a quebra de decoro parlamentar", afirma o relatório, que acrescenta: "Quando menos, pelo grave dano à imagem do
Congresso Nacional, pelo comprometimento da atividade política, pela lesão à democracia representativa, (...) enfim, por um
amplo conjunto de crimes políticos expressivos o bastante para
justificar a abertura de processo
de perda de mandato".
A lista segue agora para o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), que marcou para o
dia 13 a reunião da Mesa que decidirá contra quais parlamentares
serão abertos processos de cassação no Conselho de Ética. Dos 18
acusados, quatro já sofrem processo de cassação no conselho.
Severino defendeu em entrevista à Folha uma pena mais "branda" para os acusados de caixa
dois. Serraglio disse ontem não
ter "nenhuma preocupação" com
uma possível ação protelatória de
Severino, lembrando que qualquer partido político pode subscrever a acusação e, com isso, forçar a abertura de processo.
Crimes
Entre os crimes listados no relatório preliminar das CPIs, estão o
de improbidade administrativa,
corrupção passiva e ativa, prevaricação, infração a legislação eleitoral e sonegação fiscal. O crime
de tráfico de influência é apenas
insinuado no corpo do relatório.
Serraglio e Abi-Ackel abriram o
texto com uma citação à filósofa
alemã Hannah Arendt, analisando a obediência dos carrascos nazistas a seus chefes durante o julgamento de Adolf Eichmann, um
dos responsáveis pelo Holocausto: "A pergunta endereçada àqueles que participavam e obedeceram a ordens nunca deveria ser:
"Por que vocês obedeceram?",
mas: "Por que vocês apoiaram?'".
A sessão transcorreu sem sobressaltos. O presidente da CPI do
Mensalão, senador Amir Lando
(PMDB-RO), proibiu o pedido de
"vista" ao relatório parcial, argumentando que os "ajustes" serão
feitos no Conselho de Ética.
Houve acordo também para
que não houvesse discursos, o que
só foi desrespeitado pelo PFL. Rodrigo Maia (RJ), líder do partido
na Câmara, fez uma defesa de Roberto Brant, dizendo que confia
na inocência do correligionário.
O relatório das duas CPIs condena ainda a prática do caixa dois
-"Não há legitimidade em mandato financiado com caixa
dois"- e confirma a existência
do "mensalão", dizendo: "O que
resta inconteste é o recebimento
de dinheiro por parlamentares e
dirigentes de partidos que integram a base de sustentação do governo na Câmara dos Deputados". Segundo o documento, "o
que menos importa" é a periodicidade dos pagamentos.
O texto classifica como "desculpa esfarrapada" a versão de que
foram empréstimos tomados nos
bancos Rural e BMG a origem dos
R$ 55 milhões que teriam sido repassados por Valério ao PT e a
aliados. "Para quem não se recusa
a enxergar, surge claro como a luz
do sol que essa singela justificativa não passa de uma desculpa esfarrapada combinada entre Marcos Valério e Delúbio Soares [ex-tesoureiro do PT]", diz o texto.
As CPIs sustentam ainda acreditar que a origem dos recursos é
ilícita. "É perfeitamente plausível
a tese de que os empréstimos foram simulados para dar aparência lícita a dinheiro de origem ilícita, que seria destinado ao bolso
de políticos, sob o falso argumento do pagamento de dívidas passadas." O relatório informa que a
CPI dos Correios só conseguiu
comprovar o destino de R$ 32 milhões dos R$ 55 milhões.
O relatório parcial afirma também que não há clima para "impeachment" do presidente, mas o
mesmo entendimento não se aplicaria aos parlamentares. "Há um
clamor nacional por punição".
O texto, porém, faz uma dura
crítica ao governo do PT. "Em
2003, com a posse do novo governo, vivia-se um sonho de um Brasil diferente, com inclusão social,
participação popular, boa escola e
salário digno. Hoje, ao contrário,
percebe-se um sentimento generalizado, misto de decepção e indignação por conta da corrupção
política praticada pelos dirigentes
de alguns partidos políticos e pelas suspeitas que pairam sobre
membros do Congresso."
Entre os acusados, coube a Dirceu o maior volume de páginas
-sete. No final do relato sobre as
suspeitas que pairam contra o ex-ministro, as CPIs dão a entender
que defendem punição sem olhar
"para relações políticas". "Estamos plenamente de acordo com o
que afirmou o presidente do PT,
Tarso Genro, ao deixar o cargo de
ministro: "Se o partido não se
acostumar a aplicar duramente a
norma daqui para frente, seja para quem for, não vai dar uma contribuição para a democracia"."
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