São Paulo, domingo, 06 de outubro de 2002

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FHC dá apoio a Serra, mas faz acenos a Lula

Lula Marques - 19.ago.2002/Folha Imagem
O presidenciável Luiz Inácio Lula da Silva durante encontro com Fernando Henrique Cardoso, em agosto, no Palácio do Planalto


ELIANE CANTANHÊDE
DIRETORA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O presidente Fernando Henrique Cardoso apoiou ostensivamente o candidato do PSDB, seu velho amigo José Serra, mas botou um pé e estreitou contatos na campanha do candidato do PT, seu antigo aliado Luiz Inácio Lula da Silva. Se houver segundo turno, FHC terá que ser mais afirmativo. Se Lula vencer, o pacto de não agressão já está selado.
FHC trabalhou contra a candidatura de Ciro Gomes, da Frente Trabalhista (PPS-PDT-PTB), e não levou em conta a de Anthony Garotinho (PSB). Preferiu jogar suas fichas na vitória de Serra e amenizar os efeitos da eventual derrota para Lula. Essa derrota não seria (ou não será) só de Serra, mas também do governo FHC.
Apesar de ter articulado uma candidatura tucana desde o primeiro mandato -ainda sob o projeto de "20 anos no poder" do ex-ministro Sérgio Motta, morto em abril de 1998-, FHC foi se aproximando de Lula e do PT pelo menos desde o ano passado.
O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, confidenciou a Lula, ao governador Jorge Viana (AC) e ao ex-governador Cristovam Buarque (DF), em Caracas, em dezembro, que FHC considerava Lula e o PT "um avanço" para o Brasil, em contraposição a "forças retrógradas".
Neste caso, referia-se, em geral, às oligarquias de Antonio Carlos Magalhães (PFL) na Bahia e de José Sarney (PMDB) no Maranhão e, especificamente, à pefelista Roseana Sarney, que disparava nas pesquisas presidenciais.
O de Chávez foi um dos vários acenos de paz que Lula recebeu de FHC ao longo da campanha, até destacar o presidente do PT, deputado José Dirceu (SP), como interlocutor junto ao Planalto. FHC, porém, jamais deixou de ter em Serra o candidato preferido.

"Banana flambada"
FHC chegou a dar a candidatura Serra como moribunda quando beirou os 10% das pesquisas. Pelo sim, pelo não, reforçou pontes com o PT e Lula. José Dirceu passou a ter conversas com FHC -secretas, inclusive, para não melindrar Serra. Dirceu nega e sorri quando é indagado sobre a deliciosa "banana flambada" do Alvorada. FHC desconversa.
Quando FHC desdenhou a importância de diploma universitário para ser presidente, agradou ao PT e desautorizou o programa de TV de Serra. A reação de FHC foi combinada com Dirceu.
FHC será o "coordenador político" da transição. O ministro Pedro Parente (Casa Civil), "coordenador administrativo". E ambos têm dito e repetido que querem passar o governo em alto nível, inclusive se for para o PT.
Nas conversas com Dirceu, não amarrou apenas o apoio ao novo acordo com o FMI mas também à aprovação do foro privilegiado -que preservará FHC no futuro de ter que responder a processos em instâncias comuns.
O presidente negou sucessivos pedidos de aumento da base do Judiciário e teme ser vítima de vingança de juízes e promotores de primeira instância.
Por isso, no topo de sua agenda legislativa da transição está aprovação do foro privilegiado para ex-autoridades. Hoje, como presidente, em tese FHC responde penalmente perante o STF (Supremo Tribunal Federal) e civilmente perante a primeira instância da Justiça Federal.
Se a regra não for mudada, perderá essa prerrogativa ao sair do Planalto. Lula e o PT consideram justo o pedido de FHC.

Questão de estilo
Amigos antigos -conheceram-se na USP e reforçaram laços no exílio comum no Chile durante o regime militar-, FHC e Serra sempre tiveram uma relação afetiva, mas também de muita competição. FHC é o mestre bem-humorado. Serra é o discípulo aplicado e rabugento. Partiu de FHC, em conversas reservadas, o pior carimbo da campanha tucana: "Serra seria um ótimo presidente, mas é um mau candidato".
FHC deu ostensivas demonstrações de força e apreço para Lula, mas reclama. Acusa Serra e sua equipe de extrapolarem o acordo entre eles pelo qual o candidato estava liberado para marcar diferenças em relação ao governo.
Serra não se assumiu como candidato do governo. Para FHC, que disfarça a mágoa com uma análise "fria", foi um grave erro estratégico de Serra e de seu marqueteiro, Nizan Guanaes. Mais: FHC nunca aceitou que Nizan tenha arquivado as gravações que fez para o horário eleitoral. Na semana passada, FHC disse a aliados de Serra: "Estive sempre à disposição. Não me chamaram porque não quiseram". Na campanha, FHC só participou de um comício de Serra, em Contagem (MG). Depois disso, Serra subiu dois pontos no Datafolha. Amigos de FHC ironizam: "Deve ser coincidência".


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