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São Paulo, domingo, 10 de agosto de 2003

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TENSÃO SOCIAL

Entidades reprovam ortodoxia econômica do governo, que privilegiaria "poderes tradicionais" em vez dos pobres

Pastorais planejam intensificar protestos

GABRIELA ATHIAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Pastorais sociais ligadas à CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) e lideranças de movimentos querem intensificar os protestos de rua no país, como forma de chamar a atenção do Palácio do Planalto para o que consideram falta de atenção do governo para com área social. O presidente da CNBB, o moderado dom Geraldo Majella Agnelo, defende a idéia, desde que as manifestações sejam ordeiras.
O nó, para as pastorais, está na orientação ortodoxa do governo Luiz Inácio Lula da Silva na área econômica, que tem como subproduto o aumento de problemas como o desemprego, e a inação até agora no setor social.
Além disso, as pastorais e os movimentos esperavam uma atitude mais ""à esquerda" de Lula. Essa é a opinião de vários integrantes da chamada ala progressista da Igreja Católica.
"O governo está sinalizando mais para o lado dos poderes tradicionais do que para o lado dos pobres", diz dom Franco Masserdotti, bispo de Balsas (MA). "A pauta do governo está fora de foco", completa dom Demétrio Valentini, bispo de Jales (SP).
Fora de foco, para ele, quer dizer que o governo está privilegiando as elites e ainda não definiu um modelo econômico capaz de reduzir desigualdades sociais. Para d. Demétrio, a reforma da Previdência proposta pelo Executivo e aprovada em primeiro turno pela Câmara reforça essa idéia.
Durante a década de 90, d. Demétrio foi o bispo que coordenou as pastorais, quando elas começaram a fazer interface com os movimentos sociais.
O poder de mobilização das pastorais -associado ao dos movimentos sociais- pode ser medido pelas 10 milhões de pessoas que votaram em todo o país em um plebiscito organizado por eles sobre a Alca (Área de Livre Comércio das Américas).
O padre Alfredo José Gonçalves acompanha o setor de um ponto privilegiado. Ele é o assessor da CNBB responsável por todas as pastorais. Fala diariamente ao telefone e troca e-mails com militantes de todo o país.
Gonçalves diz que só há pouco mais de dois meses as lideranças populares entenderam que apenas a chegada de Lula ao Planalto não mudará a estrutura socioeconômica do país: "As dívidas do país comprometem o Orçamento e deixam uma margem pequena para investir no social".
Além das restrições orçamentárias, Gonçalves afirma que o entendimento das pastorais é o de que o governo não está priorizando os pobres porque sua base de sustentação política no Congresso é composta por parlamentares rotulados de conservadores.
"É hora de forçar o governo a ser coerente com seu programa e ouvir mais os setores populares do que os banqueiros e o FMI [Fundo Monetário Internacional]", afirma Gonçalves, ecoando o pensamento das pastorais.
Presidente da CPT (Comissão Pastoral da Terra), dom Tomás Balduíno, participa tanto de reuniões do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) quanto do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social do governo, no qual divide assento com megaempresários.
"Há uma decepção das pastorais e dos movimentos sociais em relação ao ritmo do governo e à forma como estão sendo feitas mudanças", diz d. Tomás.

Marcha das Margaridas
A força dos movimentos, que estão cada vez mais fazendo ações conjuntas, vai começar a ser colocada à prova neste mês. No dia 26, a Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura) realiza a segunda Marcha das Margaridas em Brasília.
A organização espera trazer à capital federal 50 mil mulheres que trabalham no campo. Até o Conselho Pastoral dos Pescadores vai convocar 2.000 mulheres de Pernambuco para participar do evento. Movimentos feministas urbanos também se engajaram. A última edição da marcha, em 2000, teve 20 mil trabalhadoras.
A integração é cada vez maior. Antônia Carrara, da secretaria nacional da Pastoral Operária, passou a tarde de sexta-feira acompanhando os sem-teto que desocuparam o terreno da Volkswagen em São Bernardo do Campo (SP).
Maria das Graças Xavier, da União dos Movimentos de Moradia, o maior do país, informou que as próximas ações em São Paulo -sejam invasões de prédios públicos, passeatas ou acampamentos urbanos- contarão com apoio de outros movimentos, como o MST.
Ari José Alberti, da coordenação do Grito dos Excluídos, que ocorre anualmente em 7 de setembro, disse que, após a eleição de Lula, chegou a duvidar de que o evento fosse continuar a mobilizar os movimentos sociais. Afinal de contas, em tese, o candidato ""deles" chegara lá.
No meio de junho, os pedidos de material de divulgação feitos pelos movimentos aumentaram muito em relação ao ano passado.
Em 2002, foram distribuídos 30 mil cartazes e 90 mil jornais. Neste ano, já saíram da gráfica 40 mil cartazes e 150 mil exemplares da primeira edição do jornal, a que faz a convocação para o evento.



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