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REGIME MILITAR
Álbum confidencial de 1972 dá detalhes sobre guerrilheiros; muitos foram mortos ao voltar para o Brasil
Cuba treinou 202 brasileiros, diz Exército
MÁRIO MAGALHÃES
DA SUCURSAL DO RIO
O governo de Cuba promoveu,
de 1965 a 1971, treinamento de
guerrilha para no mínimo 202 militantes de esquerda brasileiros.
Eles fizeram cursos -de três
meses a um ano de duração- de
guerrilha rural e urbana, fotografia, imprensa, enfermagem, inteligência, instruções revolucionárias e explosivos.
Num programa padrão de seis
meses, eram dadas aulas de fabricação de bombas caseiras, uso de
armas, sabotagem, camuflagem e
outras técnicas de ações clandestinas na cidade e no campo.
Ao voltar, os brasileiros recebiam um kit dos cubanos com
US$ 1.000, roupas e orientações
para contatar companheiros no
Brasil. Havia dez instrutores militares principais.
As informações constam do álbum "Cursos realizados em Cuba", documento confidencial distribuído para órgãos de repressão
política em 21 de novembro de
1972 pelo Comando do 1º Exército. O álbum, com 107 páginas, foi
encontrado pela Folha no Arquivo Público do Estado do Rio.
As fontes aparentes são depoimentos de guerrilheiros depois
presos no Brasil -não é citada a
tortura, então disseminada- e
agentes infiltrados que cursaram
a "escola" cubana.
De acordo com o Exército, outros 43 brasileiros podem ter recebido, no período 1965-71, formação militar do governo comunista
de Fidel Castro.
O objetivo era prepará-los para
a luta armada contra o regime militar brasileiro (1964-85). Não deu
certo.
Entre os "alunos" que passaram
por Cuba, muitos foram mortos
ao voltar para o Brasil, como Pauline Reichstul, militante da VPR
(Vanguarda Popular Revolucionária). Assassinada em janeiro de
1973, era irmã do atual presidente
da Petrobras, Henri Philippe
Reichstul.
Outros, como José Anselmo dos
Santos, o "cabo Anselmo", também da VPR, viraram colaboradores do regime militar. As delações de Anselmo levaram à morte
e ao desaparecimento de vários
guerrilheiros, em quantidade até
hoje não-esclarecida.
Da lista elaborada pelo Exército,
há pelo menos três militantes que
hoje são parlamentares: os deputados federais José Dirceu (PT-SP) e Fernando Gabeira (PV-RJ) e
o deputado estadual do Rio Carlos Minc (PT).
Dirceu integrou o Molipo (Movimento de Libertação Popular).
Gabeira, o MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro).
Minc, a Var-Palmares (Vanguarda Armada Revolucionária - Palmares) e a VPR.
Atualmente, os três são tidos como "moderados" pela esquerda
mais radical.
O documento de novembro de
1972 é o mais extenso e detalhado
já conhecido sobre cursos para os
brasileiros em Cuba.
As organizações guerrilheiras
tinham informações fragmentadas, não de conjunto, por isso
seus sobreviventes não sabem
exatamente quantos foram treinados -estimam de 200 a 300.
China e países do Leste Europeu
também treinaram brasileiros.
O governo cubano, por seu turno, caso mantenha arquivos sobre a preparação de militantes estrangeiros para atuação armada
no exterior, guarda segredo até
hoje. A Embaixada de Cuba em
Brasília não respondeu ao questionário sobre o tema encaminhado pela Folha.
Por enquanto, a melhor fonte
documental para conhecer esse
capítulo de um dos períodos mais
conturbados na história republicana brasileira são alguns relatórios de quem combatia os guerrilheiros treinados em Cuba.
Periculosidade
A lista do Exército tem os seguintes itens: nome completo, codinome, organização à qual o militante pertencia em Cuba, a sua
organização "no momento" e a
turma que integrou.
O álbum se divide em nove turmas, de 1965 a 1971. São anexadas
fotografias da maioria dos guerrilheiros, com codinome, filiação,
data e local de nascimento.
Conforme ofício assinado pelo
general Bento José Bandeira de
Mello, chefe do Estado-Maior do
1º Exército, o álbum foi produzido para "facilitar os interrogatórios dos elementos suspeitos, considerando o fato de ter frequentado um curso de guerrilha em Cuba como um indício importante
para a caracterização da periculosidade de um terrorista".
A lista considerava militantes
enviados do Brasil, e não a nacionalidade. Pauline Reichstul, nascida na hoje extinta Tcheco-Eslováquia, a integrava.
Alguns militantes fizeram mais
de um curso -nesse caso, a Folha só computou um nome. A
única pessoa a fazer o curso de enfermagem, com vistas à sua integração num grupo de guerrilha
rural que não viria a se viabilizar,
foi a mãe do comandante da ALN
(Ação Libertadora Nacional) Carlos Eugênio Sarmento da Paz.
Conhecido como "Clemente"
no seu grupo, Sarmento da Paz
-hoje professor de música no
Rio- não foi citado na lista do
Exército. Motivo: ele seria um dos
poucos brasileiros a fazer o curso
em Cuba depois da última grande
turma, cujas aulas acabaram em
1971. Era integrada por militantes
banidos na troca pelo embaixador da Alemanha Ocidental no
Brasil Ehrefried von Holleben, sequestrado em 1970.
É possível também que, mesmo
antes do movimento que abriu o
período de governos militares no
Brasil, em abril de 1964, tenha havido treinamento de guerrilha para brasileiros em Cuba.
Não há comprovação. Denise
Rollemberg, professora de história contemporânea da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), investiga indícios de que
membros das Ligas Camponesas
teriam feito curso em Cuba antes
de 1964.
Há um ano e meio ela se dedica
a uma pesquisa sobre o treinamento de brasileiros pelo governo
originário da Revolução Cubana
de 1959.
A tese desenhada por Denise
Rollemberg é a de que o endurecimento do regime militar brasileiro não levou à opção de setores de
oposição pela luta armada, apenas reforçou a tendência.
Segundo o 1º Exército, a primeira grande turma pós-golpe militar
foi de 1965, do MAR (Movimento
de Ação Revolucionária), de tendência nacionalista.
Em 1966, foi a vez de ativistas do
MNR (Movimento Nacional Revolucionário), próximos a Leonel
Brizola, que treinaram antes da
fracassada tentativa de guerrilha
de Caparaó, em Minas Gerais.
A organização com mais militantes foi a ALN, liderada por
Carlos Marighella (morto em
1969 em São Paulo), que levou
quatro grandes contingentes, de
até 28 pessoas, chamados de "1º,
2º, 3º e 4º Exércitos da ALN" no
álbum produzido em 1972.
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