São Paulo, domingo, 29 de fevereiro de 2004

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CASO CC5

Vendedor de Araraquara perdeu documentos em SP e hoje aparece como remetente de dinheiro para o exterior

Antônio Gaudério-13.fev.04/Folha Imagem
O vendedor de chaveiros Sebastião Gomes, que caiu na lista após ter os documentos roubados


Terra da laranja alimenta fraude de R$ 4,7 mi

DA REPORTAGEM LOCAL

Conhecida como a terra da laranja por concentrar uma das maiores áreas plantadas no país, Araraquara (a 273 km de SP) tem um "laranja vitaminado" nas fraudes do Banestado, que perdeu os documentos numa rua de São Paulo e acabou vivendo um pesadelo que se arrasta até hoje.
"A minha identidade é minha e de outros", resume o vendedor Sebastião Maurício Gomes Moraes, 57, que nos registros do Banco Central aparece como remetente de R$ 4,7 milhões para uma conta CC5 em Foz do Iguaçu. Dali, o dinheiro foi parar em contas de uma casa de cambio de Ciudad del Este, no Paraguai.
Moraes e sua mulher têm uma renda mensal média de R$ 1.500, vivem numa casa alugada há oito anos, por R$ 300 mensais, têm uma dívida bancária de cerca de R$ 12 mil e um Escort ano 95.
Em 1993, Moraes perdeu os documentos numa padaria na rua Voluntários da Pátria. Três anos depois, alguém abriu uma conta bancária em seu nome numa agência do Banco BCN na Vila Mariana, em São Paulo.
A foto da carteira de identidade era de outra pessoa. A partir daí, começaram as movimentações milionárias. Mas disso ele só veio a saber cinco anos mais tarde, quando recebeu a visita de um auditor da Receita Federal em sua casa, em Araraquara.
Foi então que o vendedor descobriu que seu nome estava relacionado a um grande esquema de lavagem de dinheiro no Sul do país. "Ainda não parei para avaliar o tamanho do problema", conta Moraes, que não consegue tirar talão de cheques ou cartão de crédito. "Alguém tem que pagar por isso", lamenta.
Mas nem todos os laranjas foram escolhidos ao acaso, como Moraes, que perdeu os documentos em São Paulo. Muitos foram indicados por outras pessoas, principalmente familiares, e outros venderam seus dados por em média R$ 200 ou R$ 400.
É o caso da costureira Elvira Werle, 66. Segundo a Procuradoria, seus documentos foram fornecidos para a "cooperativa" pelo filhos Valdir e Valderi Werle. O primeiro trabalhava na casa de câmbio Elcatur, em Foz. O outro, no Banestado.
"Sou analfabeta e não entendo nada disso", afirmou Elvira, que disse ter ficado assustada após ser procurada pela Receita Federal. Elvira diz que a única conta aberta com a ajuda dos filhos foi uma poupança de "uns R$ 1.500 para doença". Ela isenta os filhos de qualquer responsabilidade.
Valdir, 45, não gosta de falar sobre o assunto. Diz ter medo. "Foz e Ciudad del Este é praticamente uma cidade só. Aqui já aconteceu de tudo. Não quero falar." Questionado sobre os R$ 19 milhões enviados para fora do país em seu nome, chorou e respondeu que, dos R$ 1.200 que recebe por mês como vendedor, mais da metade gasta em advogados.
Os dados de Valdir foram utilizados por três casas de câmbio diferentes para a transferência de dinheiro para o exterior.
A dona-de-casa Raucilda Bardemarker, 46, diz ter sido enganada por seu irmão, Rolf, que tinha uma casa de câmbio. De acordo com dados da Receita, ela movimentou cerca de R$ 79,5 milhões para a Ciudad del Este.
Entre os laranjas que venderam os documentos está a manicure Ilda de Jesus, 40, ouvida pelo grupo que investiga o envio de dinheiro para o exterior.
Ilda vive em Foz e afirma ter recebido R$ 300 por seus documentos. A compradora foi uma de suas clientes paraguaias, Amélia Neves. Pela conta de Ilda transitaram cerca de R$ 42 milhões. A quantia foi depositada em nome da própria manicure em Nova York e no Paraguai. Ela diz nunca ter visto o dinheiro.
Segundo a Procuradoria da República, todos os laranjas estão sendo investigados em seus respectivos domicílios fiscais e deverão responder por crime de falsidade ideológica, já que emprestaram ou venderam seus dados para a abertura de contas.
A força-tarefa que investiga o envio de dinheiro para o exterior é formada por seis procuradores, quatro delegados da Polícia Federal e por agentes da Receita Federal e do Banco Central. (RUBENS VALENTE E LILIAN CHRISTOFOLETTI)


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