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Para Scheinkman, integrantes do novo governo podem surpreender o mundo
Ex-guru de Ciro elogia nomes da equipe econômica de Lula
GUILHERME BARROS
EDITOR DO PAINEL S.A.
Os sinais dados até agora pelo
presidente eleito, Luiz Inácio Lula
da Silva, são muito positivos,
principalmente com a escolha de
alguns nomes para compor a
equipe econômica, como os de
Marcos Lisboa, da Fundação Getúlio Vargas, que deverá ser um
dos principais formuladores de
política econômica da equipe do
futuro ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho, e de Joaquim
Levy, que será o secretário do Tesouro Nacional do novo governo.
Essa é a avaliação do economista José Alexandre Scheinkman,
54, que, durante a campanha presidencial, trabalhou durante alguns meses num documento que
deveria servir de base para o programa econômico do então candidato Ciro Gomes (PPS-CE).
O documento foi batizado por
ele de Agenda Perdida e contém
uma série de sugestões a serem
adotadas na economia para o país
voltar a crescer e reduzir o índice
de pobreza. Scheinkman teve como um de seus principais colaboradores o economista Marcos Lisboa. Levy tem uma ligação muito
próxima a Scheinkman. Ele foi
aluno de Scheinkman na Universidade de Chicago (EUA).
Otimista com a indicação desses
dois nomes para o novo governo,
Scheinkman espera que a Agenda
Perdida seja pelo menos debatida
pelo novo governo. "Acredito que
muitas idéias que constam no documento possam ser usadas."
Em entrevista concedida por telefone do seu apartamento em
Nova York, Scheinkman diz que,
se os dois economistas tiverem espaço para participar da elaboração da política econômica, o
mundo pode se surpreender.
"Quem apostar contra o Brasil vai
perder dinheiro", afirma.
De volta aos EUA, depois de ter
passado um ano em Paris a convite do governo francês para lecionar em algumas universidades,
Scheinkman se prepara para recomeçar a dar aula em Princeton,
em fevereiro. Por enquanto, ele
não tem planos de voltar ao Brasil.
Folha - O que o sr. achou da escolha de Marcos Lisboa e de Joaquim
Levy para fazerem parte do novo
governo?
José Alexandre Scheinkman - Eu
acho que esse governo tem, em
primeiro lugar, um mandato popular muito grande que ajuda
qualquer governo no começo.
Mas, em particular, essas duas
pessoas escolhidas são extremamente competentes. O Marcos
Lisboa foi primeiro aluno do Impa (Instituto de Matemática Pura
e Aplicada), um dos maiores centros de excelência de pesquisa de
matemática da América Latina.
Ele também foi professor da Universidade de Stanford (EUA). Eu
o conheci bastante quando trabalhei na Agenda Perdida. Foi a pessoa com quem mais contei para a
realização desse trabalho, embora
ele não tivesse nenhuma ligação
com a candidatura do Ciro. O Joaquim Levy foi meu aluno na Universidade de Chicago e trabalhou
no FMI (Fundo Monetário Internacional). São duas pessoas extremamente competentes.
Folha - O sr. espera que a Agenda
Perdida seja aproveitada?
Scheinkman - É o que a gente espera. A intenção de ter dado esse
nome de Agenda Perdida foi exatamente de chamar a atenção para que ela não ficasse perdida.
Quando se faz um trabalho como
esse, espera-se que ao menos se
discutam as idéias. Acredito que
muitas idéias que constam no documento possam ser usadas pelo
novo governo. Não espero que o
governo concorde com tudo. Nenhum governo pode concordar
com todas essas idéias, mas espero que a agenda seja debatida.
Folha - O que o sr. acha que pode
ser aproveitado da Agenda Perdida
pelo novo governo?
Scheinkman - Em primeiro lugar, o enfoque de que os problemas do Brasil não são mais macroeconômicos. O grande problema é microeconômico. O Brasil
precisa criar condições para que a
economia melhore e isso envolve
a realização de uma série de reformas estruturais.
Folha - Quais seriam as reformas
prioritárias?
Scheinkman - Duas reformas
fundamentais são a tributária e a
do sistema de crédito. O Brasil
precisa fazer uma reforma tributária para diminuir a informalidade no mercado de trabalho. O sistema de impostos precisa ser adequado para permitir que o setor
privado crie mais empregos de
qualidade no país.O sistema de
impostos do país taxa muito o trabalho e encoraja a informalidade.
Folha - E em relação ao sistema
de crédito? O grande problema não
seriam as altas taxas de juros?
Scheinkman - Além das altas
taxas de juros, há outros problemas como o fato de haver uma diferença muito grande entre os juros básicos da economia determinados pelo Banco Central (a taxa
Selic) e os juros cobrados pelos
bancos. O grande problema, nesse caso, é a dificuldade daqueles
que emprestam os recursos em
recuperarem as garantias oferecidas pelos devedores ao tomarem
o empréstimo. Como o banco tem
muita dificuldade em recuperar
essas garantias no caso de a dívida
não ser paga, ele acaba cobrando
um prêmio muito alto pelo empréstimo. Nos Estados Unidos,
por exemplo, se consegue um empréstimo imobiliário de 30 anos
com juro de 1% acima do que o
Tesouro estabelece de juros. Isso
porque, se o devedor não pagar, o
banco retoma imediatamente a
casa dada como garantia. A garantia do banco é muito alta. Outro grande problema é a lei de falências no Brasil. Uma empresa
para falir no Brasil demora tanto
tempo que, quando chega à falência, os credores não têm mais nada para recuperar. No mundo inteiro a lei de falências funciona.
São reformas como essas, no âmbito da microeconomia, que precisam ser feitas.
Folha - A Agenda Perdida também dá muita ênfase às questões
sociais.
Scheinkman - Nesse caso, em relação às questões de política social, nós precisamos de duas coisas. Em primeiro lugar, de um sistema de avaliação de nossos programas sociais. O Brasil tem um
grande número de programas sociais, mas ninguém sabe exatamente o impacto efetivo desses
programas. Eu desconfio, por
exemplo, que há muitos gastos
sociais no Brasil que não beneficiam os mais pobres, como por
exemplo no acesso à educação superior. O Brasil não é um país pobre. O grande problema é a distribuição de renda. É muito raro um
país com a renda per capita do
Brasil que tenha esse nível de pobreza. Um terço da população
brasileira é pobre e 15% vive numa situação de pobreza extrema.
Folha - Que programas sociais o
sr. sugere?
Scheinkman - Tem de haver dois
tipos de programas sociais. O primeiro que aumente a capacidade
dos pobres de ganhar dinheiro,
seja com a concessão de crédito
para essas pessoas, seja com educação. O governo tem de oferecer
condições para os pobres aumentarem suas rendas. Além disso, é
necessária também uma política
redistributiva compensatória para aqueles grupos sociais que tenham dificuldades em obter rendas. O atual governo já possui alguns programas nesse sentido,
como o Bolsa-Alimentação. São
medidas que precisam ser tomadas para resolver problemas de
curto prazo. A política de incentivo à educação e de crédito para a
população pobre só irá fazer efeito dentro de alguns anos. Por isso,
é necessário atacar o curto prazo.
Folha - O sr. tem sugestões sobre
a política que o novo governo deve
adotar para o comércio exterior?
Scheinkman - O Brasil precisa se
integrar mais na economia internacional e isso passa por uma reavaliação das nossas tarifas de importação. A gente tem de estudar
melhor o impacto da tarifa de importação sobre a nossa capacidade de produção. Veja o que aconteceu nos Estados Unidos. Para
proteger a indústria siderúrgica
de lá, o governo americano aumentou a tarifa de importação do
aço. Isso fez com que o carro ficasse mais caro nos Estados Unidos. Se produz carro muito mais
barato, hoje, no Canadá e no México. Ou seja, os Estados Unidos
decidiram proteger a indústria do
aço e, ao mesmo tempo, desproteger a indústria automobilística.
Folha - O sr. tem algum exemplo
semelhante no Brasil?
Scheinkman - A indústria de informática é um exemplo disso,
mas devem ter outros. Seria um
milagre não encontrar outros casos como esse no Brasil.
Folha - O sr. teme a volta da inflação?
Scheinkman - Uma parte do aumento recente de preços deriva
do aumento do dólar e, na medida que o governo como um todo
comece a adotar políticas que melhorem a expectativa do brasileiros e das pessoas de fora em relação à economia, eu espero uma
baixa do dólar. Com isso, a inflação pode baixar.
Folha - Mesmo com a alta do preço do petróleo diante da perspectiva de uma guerra no Oriente Médio
e da crise na Venezuela?
Scheinkman - O Brasil não é
mais hoje um grande importador
de petróleo. De qualquer forma, o
petróleo é muito preocupante. No
caso de uma guerra no Iraque,
não é difícil prever dificuldades de
abastecimento no Oriente Médio.
Vai depender, claro, de quanto
tempo durar a guerra e se a guerra
se expandir para outros países do
Oriente Médio. Mas acho que o
reflexo do problema na Venezuela pode ser até mais grave, pelo
menos a médio prazo. O que os
analistas me dizem é que quando
se fecha um oleoduto ou um poço
de petróleo, como aconteceu na
Venezuela, para que um ou outro
volte a operar normalmente sempre demora muito tempo.
Folha - Qual o cenário que o sr.
traça para o governo Lula ?
Scheinkman - Eu vejo como um
período de grandes oportunidades para o país. Há um pessimismo exagerado lá fora e uma parte
desse pessimismo se deve ao desconhecimento da política a ser
executada pelo novo governo. Os
sinais dados até agora são muito
positivos, principalmente com a
escolha de alguns nomes para
compor a equipe econômica, como os de Marcos Lisboa e de Joaquim Levy. Se essas pessoas tiverem espaço para participar da elaboração da política econômica, o
mundo pode se surpreender.
Quem apostar contra o Brasil vai
perder dinheiro.
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