São Paulo, domingo, 29 de dezembro de 2002

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Para Scheinkman, integrantes do novo governo podem surpreender o mundo

Ex-guru de Ciro elogia nomes da equipe econômica de Lula

GUILHERME BARROS
EDITOR DO PAINEL S.A.

Os sinais dados até agora pelo presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, são muito positivos, principalmente com a escolha de alguns nomes para compor a equipe econômica, como os de Marcos Lisboa, da Fundação Getúlio Vargas, que deverá ser um dos principais formuladores de política econômica da equipe do futuro ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho, e de Joaquim Levy, que será o secretário do Tesouro Nacional do novo governo.
Essa é a avaliação do economista José Alexandre Scheinkman, 54, que, durante a campanha presidencial, trabalhou durante alguns meses num documento que deveria servir de base para o programa econômico do então candidato Ciro Gomes (PPS-CE).
O documento foi batizado por ele de Agenda Perdida e contém uma série de sugestões a serem adotadas na economia para o país voltar a crescer e reduzir o índice de pobreza. Scheinkman teve como um de seus principais colaboradores o economista Marcos Lisboa. Levy tem uma ligação muito próxima a Scheinkman. Ele foi aluno de Scheinkman na Universidade de Chicago (EUA).
Otimista com a indicação desses dois nomes para o novo governo, Scheinkman espera que a Agenda Perdida seja pelo menos debatida pelo novo governo. "Acredito que muitas idéias que constam no documento possam ser usadas."
Em entrevista concedida por telefone do seu apartamento em Nova York, Scheinkman diz que, se os dois economistas tiverem espaço para participar da elaboração da política econômica, o mundo pode se surpreender. "Quem apostar contra o Brasil vai perder dinheiro", afirma.
De volta aos EUA, depois de ter passado um ano em Paris a convite do governo francês para lecionar em algumas universidades, Scheinkman se prepara para recomeçar a dar aula em Princeton, em fevereiro. Por enquanto, ele não tem planos de voltar ao Brasil.
 

Folha - O que o sr. achou da escolha de Marcos Lisboa e de Joaquim Levy para fazerem parte do novo governo?
José Alexandre Scheinkman
- Eu acho que esse governo tem, em primeiro lugar, um mandato popular muito grande que ajuda qualquer governo no começo. Mas, em particular, essas duas pessoas escolhidas são extremamente competentes. O Marcos Lisboa foi primeiro aluno do Impa (Instituto de Matemática Pura e Aplicada), um dos maiores centros de excelência de pesquisa de matemática da América Latina. Ele também foi professor da Universidade de Stanford (EUA). Eu o conheci bastante quando trabalhei na Agenda Perdida. Foi a pessoa com quem mais contei para a realização desse trabalho, embora ele não tivesse nenhuma ligação com a candidatura do Ciro. O Joaquim Levy foi meu aluno na Universidade de Chicago e trabalhou no FMI (Fundo Monetário Internacional). São duas pessoas extremamente competentes.

Folha - O sr. espera que a Agenda Perdida seja aproveitada?
Scheinkman
- É o que a gente espera. A intenção de ter dado esse nome de Agenda Perdida foi exatamente de chamar a atenção para que ela não ficasse perdida. Quando se faz um trabalho como esse, espera-se que ao menos se discutam as idéias. Acredito que muitas idéias que constam no documento possam ser usadas pelo novo governo. Não espero que o governo concorde com tudo. Nenhum governo pode concordar com todas essas idéias, mas espero que a agenda seja debatida.

Folha - O que o sr. acha que pode ser aproveitado da Agenda Perdida pelo novo governo?
Scheinkman
- Em primeiro lugar, o enfoque de que os problemas do Brasil não são mais macroeconômicos. O grande problema é microeconômico. O Brasil precisa criar condições para que a economia melhore e isso envolve a realização de uma série de reformas estruturais.

Folha - Quais seriam as reformas prioritárias?
Scheinkman
- Duas reformas fundamentais são a tributária e a do sistema de crédito. O Brasil precisa fazer uma reforma tributária para diminuir a informalidade no mercado de trabalho. O sistema de impostos precisa ser adequado para permitir que o setor privado crie mais empregos de qualidade no país.O sistema de impostos do país taxa muito o trabalho e encoraja a informalidade.

Folha - E em relação ao sistema de crédito? O grande problema não seriam as altas taxas de juros?
Scheinkman
- Além das altas taxas de juros, há outros problemas como o fato de haver uma diferença muito grande entre os juros básicos da economia determinados pelo Banco Central (a taxa Selic) e os juros cobrados pelos bancos. O grande problema, nesse caso, é a dificuldade daqueles que emprestam os recursos em recuperarem as garantias oferecidas pelos devedores ao tomarem o empréstimo. Como o banco tem muita dificuldade em recuperar essas garantias no caso de a dívida não ser paga, ele acaba cobrando um prêmio muito alto pelo empréstimo. Nos Estados Unidos, por exemplo, se consegue um empréstimo imobiliário de 30 anos com juro de 1% acima do que o Tesouro estabelece de juros. Isso porque, se o devedor não pagar, o banco retoma imediatamente a casa dada como garantia. A garantia do banco é muito alta. Outro grande problema é a lei de falências no Brasil. Uma empresa para falir no Brasil demora tanto tempo que, quando chega à falência, os credores não têm mais nada para recuperar. No mundo inteiro a lei de falências funciona. São reformas como essas, no âmbito da microeconomia, que precisam ser feitas.

Folha - A Agenda Perdida também dá muita ênfase às questões sociais.
Scheinkman
- Nesse caso, em relação às questões de política social, nós precisamos de duas coisas. Em primeiro lugar, de um sistema de avaliação de nossos programas sociais. O Brasil tem um grande número de programas sociais, mas ninguém sabe exatamente o impacto efetivo desses programas. Eu desconfio, por exemplo, que há muitos gastos sociais no Brasil que não beneficiam os mais pobres, como por exemplo no acesso à educação superior. O Brasil não é um país pobre. O grande problema é a distribuição de renda. É muito raro um país com a renda per capita do Brasil que tenha esse nível de pobreza. Um terço da população brasileira é pobre e 15% vive numa situação de pobreza extrema.

Folha - Que programas sociais o sr. sugere?
Scheinkman
- Tem de haver dois tipos de programas sociais. O primeiro que aumente a capacidade dos pobres de ganhar dinheiro, seja com a concessão de crédito para essas pessoas, seja com educação. O governo tem de oferecer condições para os pobres aumentarem suas rendas. Além disso, é necessária também uma política redistributiva compensatória para aqueles grupos sociais que tenham dificuldades em obter rendas. O atual governo já possui alguns programas nesse sentido, como o Bolsa-Alimentação. São medidas que precisam ser tomadas para resolver problemas de curto prazo. A política de incentivo à educação e de crédito para a população pobre só irá fazer efeito dentro de alguns anos. Por isso, é necessário atacar o curto prazo.

Folha - O sr. tem sugestões sobre a política que o novo governo deve adotar para o comércio exterior?
Scheinkman
- O Brasil precisa se integrar mais na economia internacional e isso passa por uma reavaliação das nossas tarifas de importação. A gente tem de estudar melhor o impacto da tarifa de importação sobre a nossa capacidade de produção. Veja o que aconteceu nos Estados Unidos. Para proteger a indústria siderúrgica de lá, o governo americano aumentou a tarifa de importação do aço. Isso fez com que o carro ficasse mais caro nos Estados Unidos. Se produz carro muito mais barato, hoje, no Canadá e no México. Ou seja, os Estados Unidos decidiram proteger a indústria do aço e, ao mesmo tempo, desproteger a indústria automobilística.

Folha - O sr. tem algum exemplo semelhante no Brasil?
Scheinkman
- A indústria de informática é um exemplo disso, mas devem ter outros. Seria um milagre não encontrar outros casos como esse no Brasil.

Folha - O sr. teme a volta da inflação?
Scheinkman
- Uma parte do aumento recente de preços deriva do aumento do dólar e, na medida que o governo como um todo comece a adotar políticas que melhorem a expectativa do brasileiros e das pessoas de fora em relação à economia, eu espero uma baixa do dólar. Com isso, a inflação pode baixar.

Folha - Mesmo com a alta do preço do petróleo diante da perspectiva de uma guerra no Oriente Médio e da crise na Venezuela?
Scheinkman
- O Brasil não é mais hoje um grande importador de petróleo. De qualquer forma, o petróleo é muito preocupante. No caso de uma guerra no Iraque, não é difícil prever dificuldades de abastecimento no Oriente Médio. Vai depender, claro, de quanto tempo durar a guerra e se a guerra se expandir para outros países do Oriente Médio. Mas acho que o reflexo do problema na Venezuela pode ser até mais grave, pelo menos a médio prazo. O que os analistas me dizem é que quando se fecha um oleoduto ou um poço de petróleo, como aconteceu na Venezuela, para que um ou outro volte a operar normalmente sempre demora muito tempo.

Folha - Qual o cenário que o sr. traça para o governo Lula ?
Scheinkman
- Eu vejo como um período de grandes oportunidades para o país. Há um pessimismo exagerado lá fora e uma parte desse pessimismo se deve ao desconhecimento da política a ser executada pelo novo governo. Os sinais dados até agora são muito positivos, principalmente com a escolha de alguns nomes para compor a equipe econômica, como os de Marcos Lisboa e de Joaquim Levy. Se essas pessoas tiverem espaço para participar da elaboração da política econômica, o mundo pode se surpreender. Quem apostar contra o Brasil vai perder dinheiro.



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