São Paulo, domingo, 06 de outubro de 2002 |
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Cientista americana resgata imagem de Robert Scott, morto em março de 1912 após perder a corrida para a conquista do pólo Sul para Roald Amundsen O FIM DO INVERNO
Claudio Angelo editor-assistente de Ciência
De todos os heróis da exploração da Antártida,
nenhum entrou tão mal para a história quanto
Robert Falcon Scott. Afinal, não bastasse ter
perdido a corrida ao pólo Sul para o norueguês Roald Amundsen -que alcançou o local quase
um mês antes dele, em 14 de dezembro de 1911-, o capitão da Marinha Real britânica ainda morreu no caminho de volta, assim como quatro de seus companheiros,
em março de 1912.
O mito criado em torno de Scott fala em imprudência,
inépcia e imperícia. Reza a lenda que ele morreu -e
matou seus homens- porque planejou mal a expedição. Usou pôneis para sua marcha no gelo, enquanto
Amundsen lançou mão de cães, mais leves e rápidos.
Desprezou os esquis, confiando na tração humana para
percorrer os quase 1.300 km até o pólo. Levou pouca comida e pouco combustível, era um péssimo navegador
e não entendia nada do clima antártico.
Foram necessários 90 anos para que a lenda do Scott
incompetente recebesse o seu primeiro golpe fundamentado pelos argumentos menos sujeitos a paixões da
ciência moderna. Quem o desfere é a climatologista Susan Solomon, da Agência Nacional para Oceanos e Atmosfera dos EUA. No livro "The Coldest March" (que
pode ser traduzido tanto como "A Marcha Mais Fria"
quanto como "O Março Mais Frio"), que saiu nos EUA
em 2001, ela argumenta que só os erros -que não foram poucos- cometidos pelo capitão no planejamento da viagem não bastariam para dar cabo do grupo.
Scott, na verdade, fora vitimado pelo inverno mais inclemente do começo do século 20 na Antártida Ocidental.
Para comprovar sua tese, Solomon usou dados coletados desde a década de 60 por estações meteorológicas
automáticas no pólo Sul e ao longo da barreira de Ross,
a colossal plataforma de gelo onde morreram Scott e
seus companheiros Edward Wilson, Lawrence Oates,
Henry Bowers e Edgar Evans. Os registros, apresentados no livro, mostram que as temperaturas caem abaixo dos 40C negativos no mês de março um ano a cada
dez ou mais (provavelmente mais) na barreira. E o ano
de 1912 foi um deles.
A americana pode ser acusada de muita coisa, menos
de não saber do que fala. Há 20 anos ela tem pesquisado
a atmosfera do sexto continente. Foi uma das cientistas
que descobriram o famigerado buraco na camada de
ozônio e tem até uma geleira batizada com seu nome.
Para Solomon, o mito em torno de Scott foi criado por
críticos sem nenhuma experiência de Antártida. Quem
já esteve no continente sabe que o tempo ali está longe
de ser previsível, especialmente entre os meses de março e abril, quando começa o que ela chama de inverno
"sem fundo". Em vez de uma queda gradual nas temperaturas com a aproximação do inverno, como acontece
no resto do planeta, o termômetro despenca de uma vez
só, geralmente em março.
Scott partiu para o pólo de sua base no cabo Evans, na
região do estreito de McMurdo (onde hoje se localiza a
maior base científica do continente, dos EUA), em novembro de 1911. Seus pôneis não poderiam suportar o
frio de setembro/outubro, quando a temperatura normalmente fica ao redor dos 25C negativos na barreira
de Ross. (Os cães de Amundsen resistiam bem ao frio, o
que permitiu ao norueguês sair em outubro.) O britânico sabia que seria apanhado pelo inverno no final de sua
viagem de volta. O problema foi que todos os estudos
feitos por ele e por seu meteorologista, George Simpson, mais as medições realizadas na própria barreira em
março de 1911, indicavam temperaturas de, no mínimo,
-30C -e não os -40C enfrentados.
O frio intenso causa enregelamento quase instantâneo de qualquer parte exposta do corpo, o que pode ter
contribuído para a debilitação física dos homens. Mas
também muda a textura da neve, que fica áspera, "impraticável" para os trenós, como descreveu Scott. Algo
fatal para cinco homens fracos e famintos que precisavam arrastar a própria carga. The Coldest March de Susan Solomon 383 págs., US$ 29,95 Yale University Press, New Haven, EUA. (www.yale.edu/yup) Texto Anterior: + ciência: A árvore da vida Próximo Texto: Micro/Macro - Marcelo Gleiser: Gravitação e quanta, um casamento complicado Índice |
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