São Paulo, sábado, 06 de agosto de 2011

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WALTER CENEVIVA

Ellen Gracie

A primeira presidente nos quase 200 anos de STF é exemplo-síntese de como se compôs a cidadania no país

NÃO COMETEREI exagero se disser que a ministra Ellen Gracie Northfleet, a primeira presidente nos quase 200 anos de existência do STF (Supremo Tribunal Federal) é exemplo-síntese de como se compôs a cidadania nacional no século 20. O nome revela origens anglo-saxônicas, mas ela nasceu no Rio de Janeiro. Faço o resumo mais compacto dos fatos de sua vida: graduou-se em direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1970) e passou a ter residência permanente no Distrito Federal depois de ter sido nomeada para o STF, cuja presidência ocupou no biênio 2006-2008.
Ellen Gracie compõe a súmula da população no Brasil de hoje, da gente brasileira, vinda de todas as partes. Aqui absorvemos ideias e influências, cores e costumes de cada latitude ao norte e ao sul da linha equatorial, em todos os graus de longitude.
A absorção de quem chega de países distantes ou próximos é progressiva. Vai desde a acolhida por vezes agressiva até a transformação do estranho em conhecido, de conhecido em amigo, compadre, torcedor do mesmo clube ou de outro. Parente, às vezes. Os vindos da Europa aportaram pré-adaptados, pois difícil é ter um do velho mundo que chegue aqui sem muitos que o tenham precedido com informações sobre nossas vidas, nossos hábitos, defeitos e qualidades.
Caminhamos para formar o brasileiro multiabsorvido e multiabsorvedor, por todas e de todas as origens. Dos mais numerosos (portugueses, espanhóis, italianos), facilmente encaixados na nova realidade, aos também numerosos japoneses, que enfrentaram dificuldades de adaptação, entre muitos outros. Recordo minha tia-avó Antonieta, japonesa de nascimento, que se uniu a um tio de meu pai nos anos 1920 do século passado. É a lembrança mais familiar da absorção diversificada e completa dos que vieram de longe.
Nesse perfil, os imigrantes vindos da Europa, mais no Brasil do que em qualquer outro país, ajustaram-se aos costumes transformados. A origem heterogênea, com muitas diferenças nos múltiplos padrões de medida, é marcada ao mesmo tempo pela igualdade da abertura para todos. É o que se encontra nos três primeiros artigos da Constituição, no pluralismo político, na livre iniciativa, sem preconceitos de origem, sexo e cor ou qualquer forma de discriminação, garantidos ao brasileiro e ao estrangeiro residente no Brasil (art. 5º).
Ellen Gracie caminha para a aposentadoria antes do imperativo da idade constitucional. Sua carreira no Judiciário, no Executivo e, antes, sua atividade na iniciativa privada são vistas agora, no momento em que se prepara para deixar a vida profissional na Justiça, na qual atingiu a chefia, o ponto máximo de um dos Poderes da República, é, ao mesmo tempo, retrato do que este país possibilita a quem vem de longe por si mesmo ou por seus antecessores.
A oportunidade tem o mesmo traço que marca o país: a diversidade das raças e tendências, as quais, em lenta transformação, vão nos unindo a todos na formação do que se poderá considerar um novo povo. Heterogêneo, complicado, com traços contrastantes da irresponsabilidade e da capacidade severa para o trabalho mais qualificado. Um povo, tipicamente povo e brasileiro, enfim. Criativo. Único.


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