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São Paulo, domingo, 10 de agosto de 2003

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HABITAÇÃO

Em São Paulo, número de residências vazias supera déficit de moradias, mas iniciativas de reocupação são limitadas

Imóvel vago escapa de programas oficiais

Marlene Bergamo/ Folha Imagem
Prédio vazio no centro de SP; região tem quase 40 mil imóveis vagos


MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

São Paulo produziu mais um disparate urbano: tem um déficit habitacional de 380 mil domicílios embora possua 420.327 moradias vagas, segundo dados do IBGE. Nos bairros centrais da cidade, a área que mais perdeu população nos últimos 20 anos, há 39.289 imóveis vagos, o equivalente a 18,2% do total de domicílios.
No mundo dos números, o problema habitacional de São Paulo seria resolvido e ainda sobrariam 40 mil domicílios. No mundo real, porém, os governos de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Geraldo Alckmin (PSDB) e Marta Suplicy (PT) não conseguiram criar políticas para sanar a anomalia. Os números dizem quase tudo:
* A prefeitura reformou, com recursos federais, três prédios com 305 apartamentos em dois anos e meio de gestão;
* O governo estadual deve inaugurar neste mês o único edifício que restaurou na área central, com 28 unidades.
No resto do país, onde há cerca de 4,6 milhões de imóveis vagos e um déficit habitacional da ordem de 6,6 milhões, a situação não é muito diferente, de acordo com Raquel Rolnik, 47, secretária nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades. À exceção de Porto Alegre, onde o número de edifícios reformados ou em obras chega à casa dos mil, nas outras capitais eles não atingem 50 em cada, segundo a secretária.
"É tudo muito pífio", reconhece Rolnik. "Todas as regiões metropolitanas estão fazendo alguma coisa no centro para moradia, mas não tem volume."

Centro ou periferia?
Em São Paulo, a prefeitura do PT e o governo estadual do PSDB divergem sobre o que fazer com recursos e imóveis vagos na cidade. Petistas querem reabitar o centro; tucanos dizem que é mais barato construir na periferia. O embate traduz uma espécie de encruzilhada em que o país se encontra na área habitacional: reformar ou construir?
"É mais caro restaurar um cortiço no centro do que construir uma casa nova na periferia por causa do preço da terra no centro", diz Barjas Negri, secretário estadual de Habitação e presidente da CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano). A reforma de um apartamento no centro, segundo ele, passa de R$ 30 mil; já a construção de uma casa de 43 m2 na periferia, no regime de mutirão, sai entre R$ 18 mil e R$ 22 mil.
O vereador Nabil Bonduki (PT), 48, que também é professor da FAU-USP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo), diz que a CDHU precisaria incluir na conta os custos da infra-estrutura que tem de ser levada para as áreas periféricas: água, luz, esgoto, postos de saúde, hospitais e policiamento. "Por que gastar com infra-estrutura na periferia quando esses serviços estão ociosos no centro?", pergunta.
Há outro custo, diz Bonduki, que degradou a qualidade de vida na cidade -o do deslocamento. "O modelo que empurrou os pobres para a periferia gerou um tipo de deslocamento insuportável, que são os congestionamentos e os gastos com transporte. A ocupação do centro teria um efeito urbano mais positivo."
Segundo Bonduki, a cidade já tem os instrumentos jurídicos para tentar reduzir o preço de prédios vagos. O Plano Diretor, aprovado no ano passado, prevê o pagamento de IPTU progressivo para imóveis que não cumpram "função social". Após cinco anos, podem ser desapropriados.
O secretário da Habitação da prefeitura paulistana, Paulo Teixeira, 42, anuncia nesta semana a desapropriação de três prédios. Num deles, o débito em impostos municipais equivale ao preço do imóvel. Com outros sete prédios que estão em reforma, Teixeira quer triplicar o número de unidades reformadas até 2004.
Há um componente cultural na velocidade de lesma com que os prédios vazios são recuperados: a falta de tecnologia no país para reformas, segundo Raquel Rolnik.
"Todas as políticas públicas, toda a cultura política está voltada para a construção. Nunca se olhou para a reforma", diz ela. Foram os sem-teto que impuseram o tema na agenda do país, ocupando prédios vazios que os políticos fingiam que não existiam.

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