São Paulo, sábado, 18 de outubro de 2008

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WALTER CENEVIVA

Crise e o direito em crise


No mercado sem regulamentação do chamado capitalismo selvagem, os muito ricos impõem regras

PAUL KENNEDY INSPIROU-SE em Montesquieu para escrever o livro "Ascensão e Queda das Grandes Potências". Dele é também obra de 1992 intitulada "Preparando para o Século 21".
Pois Kennedy publicou no "Times" de Londres, no último dia 12, um comentário sobre a atual crise econômico-financeira atualizando o enfoque desses dois livros. Anotou no jornal que os Estados Unidos foram "enfraquecidos pela extravagância fiscal e pela militarização excessiva", levados pela "incompetência política americana e por mudanças geopolíticas".
A crise nos inclui. Basta ver a convocação ansiosa dos países emergentes (Brasil, Rússia, Índia e China) para, apesar dos problemas, ajudarem os mais ricos a sair do buraco em que caíram. Até George Bush esqueceu sua doutrina unilateralista.
O direito, mesmo em crise, tem remédios para a situação criada, ou, ao menos, para questionar em que medida o Brasil poderia ter posto mais eficiência na defesa contra a dificuldade hoje enfrentada. No livro "O Silêncio Eloqüente", de Marcilio Toscano Franca Filho (2008, Edições Almedina, Coimbra, 420 págs.), que contém sua tese de doutorado (Universidade de Coimbra), o autor escreve: "O silêncio, na ciência jurídica, é próprio tão-somente dos despossuídos de voz e de direitos". O silêncio do legislador nacional, sobretudo quando ofendidos princípios constitucionais, à medida em que a crise avançava, foi inaceitável.
Nos atuais processos de integração econômica pela globalização, Franca Filho sustenta que o direito continua "a exercer um papel fundamental" para qualquer "tentativa de soerguimento de sólidos blocos regionais". No dizer de Paul Kennedy, será o retorno ao sistema multipolar sob a "condução da diplomacia de grande poder efetivo", afastado assim o sistema unipolar da economia baseada só na moeda americana.
Algumas reações querem fazer parecer que fomos colhidos de surpresa pelos fatos atuais. Verdade é, porém, que ninguém ignora os fenômenos endêmicos, na instabilidade de bolhas e solavancos, de tempos em tempos. Entre nós, acréscimo do dinheiro acumulado, substituiu, durante anos, a atividade produtiva. Ninguém tinha dúvida de que a imaginária corrente da felicidade tinha tempo limite de existência. Governos levados pelo interesse na preservação dos depósitos estimularam a acumulação, sem se preocuparem com a avaliação dos riscos e dos efeitos jurídicos de acidentes comerciais próprios do mesmo risco.
O fatalismo de ciclos das crises mostra que o mercado de ações, de câmbio, artigos, produtos ou matérias-primas é sujeito a tais variações. No mercado sem regulamentação do chamado capitalismo selvagem, os muito ricos impõem regras. Esmagam os mais fracos. Antes com canhões. Hoje com o aniquilamento econômico. No outro lado do quadro, há os exageros do "regulamentismo" geral, que marcou o exemplo da União Soviética, contribuindo para que acabasse. Um modo de solução pode vir do direito, quando aplicado em tempo hábil, para regular relações do interesse comum, em blocos regionais ou continentais. Voltando a Franca Filho, ele diz que, nesses períodos, a omissão do legislador é um desvalor jurídico a ser evitado, antes de hecatombes que possam advir de seu silêncio.


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