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Maior ganhador da Mega-Sena se livra de acusação de fraude
Grupo de apostadores dizia que bilhete premiado era parte de um bolão e havia sido desviado por um dos participantes
Primeiro inquérito responsabilizava vencedor do sorteio, mas Promotoria pediu nova investigação
Ortenilo Nicolau, 69, era um pequeno empresário do interior gaúcho em aperto financeiro quando acertou, em 2010, as seis dezenas da Mega-Sena e levou o maior prêmio individual já pago.
Antes de usar os R$ 119 milhões, porém, precisou provar que tinha sido o autor da aposta e ainda desmontar uma versão --inicialmente aceita pela polícia-- de que o bilhete premiado era na verdade de um bolão.
O alívio veio somente no mês passado, quando o Ministério Público denunciou 12 pessoas sob acusação de mentir e tentar enganar a Justiça com a história do bolão.
Hoje dono de fortuna equivalente a três anos de salário do craque argentino Lionel Messi, o apostador vivia até o dia do sorteio em São José do Herval, 2.200 habitantes e a 176 km de Porto Alegre.
Como não havia lotérica no município, registrou os bilhetes em Fontoura Xavier, cidade vizinha, onde a notícia de que o prêmio recorde havia saído de uma lotérica local logo ouriçou moradores.
Foi então que funcionários da prefeitura passaram a afirmar que o bilhete sorteado tinha sido desviado de um bolão. Dez pessoas se disseram parte do grupo de apostadores e recorreram à polícia.
Nos meses seguintes, era com eles que a sorte parecia estar: a apuração de policiais de Porto Alegre deu razão ao grupo. A versão deles acusava um colega da prefeitura, Décio Sabadin, 64, que havia registrado as apostas, de sumir com o bilhete premiado e entregá-lo a Nicolau em troca de parte da fortuna.
Em 2011, o inquérito foi concluído pedindo a responsabilização de Nicolau, Sabadin e mais três pessoas.
A reviravolta veio meses depois: a Justiça considerou o inquérito falho e determinou nova investigação para esclarecer se houve falsa comunicação de crime.
No mês passado, depois de receber o resultado da nova apuração da polícia, o Ministério Público decidiu denunciar os integrantes do bolão e o prefeito de Fontoura Xavier à época, sob suspeita de denúncia caluniosa, coação, falso testemunho e extorsão.
O horário das apostas foi a prova crucial para a nova conclusão: o grupo do bolão dizia que os jogos tinham sido registrados pela manhã, enquanto o bilhete premiado foi computado à tarde.
VENCEDOR
Na época em que a legitimidade de seu prêmio parecia abalada, Nicolau já havia sacado sua fortuna. Apesar das investidas do grupo do bolão na Justiça, o valor nunca chegou a ser bloqueado.
A família do empresário se mudou às pressas para Porto Alegre e comprou uma mansão no litoral e fazendas.
Antes de ganhar o sorteio, Nicolau sofria com ações judiciais de cobrança e viu seu frigorífico perder mais da metade dos funcionários. O governo barrou R$ 2,5 milhões do prêmio por problemas antigos de pagamento de contribuições.
Nicolau, segundo moradores de São José do Herval, pouco aparece por lá hoje.
Voltou a se envolver com a cidade apenas na campanha eleitoral de 2012 --apoiou um candidato à prefeitura (que, se vencesse, administraria um orçamento anual equivalente a 9% do prêmio da Mega-Sena de 2010).
Inocentado pela polícia e Promotoria, Nicolau ainda tenta na Justiça reparação contra seus acusadores.
Figura conhecida no município, o apostador é blindado por parte dos moradores, que evitam falar sobre ele.
A Folha não o localizou na semana passada. Seu advogado disse que ele estava em viagem e não poderia falar.
Devido ao prêmio, São José do Herval passou a ter um frigorífico melhor.
E outra consequência: a cidade agora tem sua lotérica. "Aumentou a quantidade de gente que joga. Quando vê o vizinho ganhar, a pessoa pensa que também pode", diz o funcionário público Rodrigo Fiorentim, 42.