Imigrantes mudam rotina e paisagem de Guaianases
Bairro no extremo da zona leste de São Paulo concentra haitianos e nigerianos
Informalidade e preços baixos são atrativos para estrangeiros; região tem cultos e folhetos em inglês, francês e crioulo
A haitiana Roselina Joachin, 40, entra em uma LAN house em Guaianases, extremo da zona leste paulistana. Fecha o guarda-chuva e caminha até o caixa.
"Preciso ligar para minha filha. Ela está chorando, ela está chorando. Deixa eu ligar para minha filhinha", pede, num português enrolado. "Só tenho dois reais", diz, e mostra as moedas, nervosa.
"Pode ligar. Se falar três minutos, vai ficar devendo um real", responde o nigeriano Victor Chukwuebulka, 31, em português também com forte sotaque, mas muito mais compreensível.
A cena de um africano e uma haitiana conversando em português é cada vez mais comum por ali.
Os estrangeiros deixam áreas do centro, aonde chegam primeiro, e vão viver no bairro da periferia em sobradinhos sem reboco.
Assim como a Mooca se tornou um reduto de imigrantes italianos, o Bom Retiro, de judeus, e a Liberdade, de orientais, Guaianases –historicamente morada de nordestinos– é hoje o bairro de africanos e haitianos.
Quem anda pelas ruas estreitas logo nota os estrangeiros: na feira, nas igrejas, na estação de trem. Haitianos falam francês e crioulo. Nigerianos, inglês ou algum dos 250 dialetos do país.
A paisagem de Guaianases acompanha a transformação da área em bairro imigrante. Surgem bares de música africana, restaurantes típicos, cultos em inglês e crioulo. Aos sábados, o campo de várzea recebe uma partida de haitianos contra nigerianos.
ALUGUEL E COMUNIDADE
Houve duas ondas de estrangeiros na região. Uma de refugiados nigerianos, de seis anos para cá. E outra de haitianos, que há um ano começaram a "invadir" o bairro.
Uma das explicações para o deslocamento de imigrantes à região é econômica. A outra, comportamental.
Alugar uma casa em Guaianases é mais fácil e barato que em outros lugares. Não se exige fiador, seguro ou comprovante de renda.
A haitiana Roselina, por exemplo, chegou a São Paulo há cerca de um ano. Pagava R$ 600 em um quarto no Glicério. Em Guaianases, desembolsa os mesmos R$ 600, mas numa casa de dois quartos e cozinha. Divide o aluguel com um amigo e o irmão.
O boca a boca também contribui para o fluxo de imigrantes. "Você chega e quer ficar perto de pessoas conhecidas", conta o haitiano Alcius Jorcely, que chegou a São Paulo em 2014, vindo do Acre de ônibus.
Segundo Marcelo Haydu, 37, do Adus (Instituto de Reintegração do Refugiado - Brasil), a interação em Guaianases é "sensacional", mas fato raro na capital. Em albergues de imigrantes, conta, há rixa entre haitianos e africanos.
Brasileiros aprovam a chegada dos estrangeiros ao bairro. "Vim de longe, acho que no mundo não deve existir barreiras", diz o pernambucano Pedro Nascimento, 45.
A convivência, porém, nem sempre é harmônica. Jorcely diz não gostar muito dali e que conterrâneos estão sendo roubados. "Haitiano gosta de andar com dinheiro", diz.