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JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN
Crime e castigo
Há um mito de que o brasileiro é tolerante com a corrupção, mas há sinais de que essa complacência esteja acabando
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RANDY "DUKE" Cunningham, o
prisioneiro 94.405-198 na penitenciária federal em Tucson, no Arizona, cumpre a pena de
oito anos e quatro meses à qual foi
condenado por corrupção e sonegação do Imposto de Renda. Cunningham, um influente membro da então maioria republicana na Câmara
de Deputados, foi acusado de pressionar o Pentágono para contratar
fornecedores que lhe haviam pago
US$ 2,4 milhões em propinas.
Nos EUA, a imunidade parlamentar não cobre o crime de suborno e
não foi preciso licença do Congresso
para processar o deputado. Menos
de um ano depois da publicação por
um jornal da Califórnia de uma reportagem questionando a relação de
Cunningham com um empresário, o
ex-deputado já estava condenado.
Como parte da sua sentença, Cunningham foi obrigado a entregar ao
governo o dinheiro que havia ganho
ilegalmente, além de multas.
A prisão de Tucson é para presos
de menor periculosidade, mas, nos
Estados Unidos, como em outros
países civilizados, não há prisão especial para os que têm curso superior. O ex-deputado, oficial da reserva da aviação naval americana com
dois mestrados, passa as noites em
uma cama beliche num dormitório
com mais de cem outros prisioneiros.
No Brasil, a Operação Navalha
produziu, mais uma vez, acusações
de corrupção contra membros dos
Três Poderes. Mas há uma percepção generalizada, e plenamente justificada por episódios passados, de
que o corporativismo dos congressistas e um Judiciário leniente evitarão que os acusados sofram maiores
conseqüências.
Desde a década de 60, os economistas analisam o crime. O que distingue a análise econômica da criminologia tradicional é o foco no princípio de que os criminosos comparam os custos e benefícios do crime.
Isso não quer dizer que fatores sociais como desigualdade ou cultura
são ignorados, pois eles influenciam
os custos e benefícios da atividade
criminal.
Utilizando métodos estatísticos
sofisticados, economistas demonstraram que a probabilidade e a severidade das punições têm um impacto importante na taxa de criminalidade. Esses trabalhos utilizam dados sobre crimes que são facilmente
constatáveis, como o roubo ou homicídio, e, porque é difícil medir o
nível de corrupção em um país, não
existem boas evidências diretas de
que um aumento na perspectiva de
punição de políticos diminua o suborno. Mas a lógica indica que os
corruptores e corruptos são mais
sensíveis à punição do que os criminosos comuns. Afinal, um deputado
ou empreiteiro tem muito mais a
perder com uma longa estadia na
prisão do que um ladrão de automóveis.
Há um mito de que os brasileiros
são especialmente tolerantes com a
corrupção, mas a reação da imprensa e do público demonstra que essa
complacência está acabando. É possível que o Brasil esteja passando
por uma mudança cultural semelhante à dos Estados Unidos no final
do século 19, quando, depois de uma
série de escândalos, os americanos
começaram a exigir dos seus políticos um nível de honestidade muito
mais elevado.
Mas a corrupção da classe política
americana só diminuiu quando congressistas passaram leis para combater as negociatas que o Judiciário
aplicou rigorosamente. Há fortes indícios de que existem políticos no
Brasil que se comportaram como
Duke Cunningham. Resta saber se
algum deles vai acabar condenado a
passar oito anos em uma prisão comum.
JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN , 59, professor de economia na Universidade Princeton (EUA), escreve quinzenalmente aos domingos nesta coluna.
jose.scheinkman@gmail.com
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