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TECNOLOGIA
Projetos da entidade geram lucro no setor privado; idéia é cobrar royalties
Empresa que usar pesquisa da Fapesp terá que pagar
LÁSZLÓ VARGA
DA REPORTAGEM LOCAL
Cobrar royalties das empresas
que se beneficiam de projetos
científicos financiados pela Fapesp (Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo)
e também ganhar dinheiro licenciando patentes.
Esses são os planos do físico José Fernando Perez, 58, diretor
científico da entidade. Cansado
de ver empresas se beneficiarem
de projetos bancados pela fundação, Perez definiu que a meta é cobrar cerca de 5% da receita bruta
das empresas originada da venda
de produtos que receberam recursos da Fapesp.
Na entrevista abaixo concedida
à Folha, ele cita clientes como a
Aché, Votorantim e Suzano, e fala
dos novos tempos dos programas
de parcerias tecnológicas com
empresas. O orçamento anual da
Fapesp é de R$ 370 milhões.
Folha - Quantos projetos já foram
realizados com o programa Parceria para Inovação Tecnológica (Pite)?
José Fernando Perez - Cerca de
50 empresas foram beneficiadas.
Há empresas que têm dois ou
mais projetos conosco. A Fapesp
recebe propostas para financiar
projetos de universidades com
empresas parceiras.
Folha - O pesquisador da universidade é que busca sua empresa
parceira?
Perez - Exato. É ele quem busca a
parceria com uma empresa. A Fapesp banca recursos para o projeto, se ele for aprovado. Mas não
queremos transformar a universidade no laboratório que as empresas deveriam ter. O importante é que a universidade tenha essa
parceria, para que ela melhor
cumpra a sua missão de formar
bem pessoas que saibam desenvolver tecnologia nas empresas. O
Pite tenta casar demanda de pesquisa com oferta de pesquisa. O
que se fazia muito no país antes
era ter muita oferta de pesquisa na
universidade sem demanda por
parte das empresas.
Folha - Que exemplos o sr. citaria
de projetos bem sucedidos?
Perez - O projeto para produção
de aços elétricos da CSN [Companhia Siderúrgica Nacional" e o
IPT [Instituto de Pesquisas Tecnológicas" é um bom exemplo.
Aço elétrico é um aço que o Brasil
utiliza muito e tinha de importar.
É usado para compressores de
motores de refrigeradores. Essa
tecnologia foi dominada no Brasil, depois da parceria entre a CSN
e IPT bancada pela Fapesp. Um
projeto como esse é um processo
de aprendizado para todo mundo. Para a universidade, para a
empresa e para a própria Fapesp.
A Fapesp tem a tradição de financiar auxílios à pesquisa nas universidades e bolsas para cientistas. O Pite é um negócio diferente,
uma inovação que a própria agência teve que aprender.
Folha - A CSN e o IPT exploram os
benefícios desse aço sem prestar
contas à Fapesp?
Perez - O direito do uso da tecnologia é negociado entre o IPT e
a CSN. A Fapesp só toma conhecimento. Estamos, no entanto, mudando nossa política sobre os direitos dos resultados das pesquisas. Outro dia chegou à Fapesp
um projeto para o desenvolvimento de um certo produto que,
certamente, ia ter um retorno comercial muito grande para a empresa interessada. A fundação estava trocando aquilo ali por nada.
Decidimos então, há poucos meses, que iremos estabelecer um
valor de quanto a Fapesp receberá
de retorno para cada projeto que
financiar. Não tem um valor prefixado, depende do montante que
a Fapesp banca.
Folha - Que empresa motivou essa mudança?
Perez - Não vou divulgar. O importante é que decidimos que não
vamos financiar algo que consideramos que está flagrantemente
desequilibrado. Pedimos para a
empresa que mostrasse qual é o
seu plano de negócios com o projeto. Como vão ganhar dinheiro
com aquilo. Porque é um direito
nosso saber como é que a empresa vai ganhar dinheiro. É preciso
que prevaleça o interesse público.
Folha - Quer dizer que a Fapesp
vai cobrar royalties?
Perez - Sim, queremos receber
royalties. Existe um caso interessante nesse sentido, que deu certo. É o caso do projeto entre a indústria Serrana e a Unicamp para
desenvolver um pigmento de fosfato e titânio para fazer tinta branca, com propriedades como flexibilidade e brilho. A Fapesp financiou parte das pesquisas. Foi gerado o pigmento e transferida a tecnologia para a Serrana. A Serrana
paga royalties para a Unicamp.
Em compensação não acompanha mais o que a empresa faz com
o pigmento. E os pesquisadores
da Unicamp declararam textualmente: aprendemos boa química
no processo. É um círculo virtuoso. A universidade gerou um produto para a empresa e os pesquisadores ganharem conhecimento
com isso. Essa é a visão que a gente quer adotar como parceria da
universidade com a empresa. Não
é uma prestação de serviços. Não
é uma consultoria. Mas os royalties serão também cobrados.
A idéia é fazer
parcerias e evitar transformar a universidade em um laboratório que a
empresa deveria ter
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Folha - Existe um modelo de cobrança?
Perez - Vamos ter uma solução
caso a caso. Não dá para ter uma
regra fixa. Às vezes é um serviço,
às vezes é um produto. A Fapesp
quer saber qual o plano de negócios da empresa e qual é o investimento da fundação. Qual é o risco. Isso é fundamental. Já temos
um projeto interessante com a
Aché para a produção do primeiro antiinflamatório desenvolvido
no Brasil. A Fapesp terá uma fração da venda do medicamento.
Folha - De quanto?
Perez - Geralmente, nos acordos
que firmamos, o percentual é algo
em torno de 5%, sem prazo para
terminar a cobrança. A Fapesp está fazendo uma aposta com a
Aché, tomara que o projeto dê
certo, tomara que eles ganhem
muito dinheiro, porque somos
sócios.
Folha - Os empresários aceitam
bem a cobrança de royalties?
Perez - Olha, a opção é isso ou
não tem recursos. Eles vão conseguir o dinheiro emprestado onde?
Outro projeto que está entrando
no nosso programa de royalties é
um com a indústria farmacêutica
Eurofarma. Trata-se de um projeto para desenvolver vacina contra
febre reumática. O investimento é
de R$ 2,9 milhões. A Fapesp está
entrando com R$ 1,4 milhão.
Conseguimos uma negociação
boa. Teremos direito a 5% da receita bruta da empresa originada
da venda do medicamento.
Folha - A entrada de dinheiro dos
royalties começa em 2003?
Perez - É difícil dizer quando começa. Temos também projetos de
biotecnologia com pequenas empresas, como a Hormogen. O projeto visa a produção de insulina
por engenharia genética. A insulina é feita a partir de partes do corpo do boi. É preciso matar muito
boi para produzir insulina. Descobriram, porém, que existe um
gene na hipófise do boi que produz exatamente a insulina. A idéia
é pegar um gene do boi e colocá-lo em uma bactéria, que produziria a insulina.
Folha - A Fapesp tem programas
com a Embraer?
Perez - Temos quatro projetos
com a Embraer. O mais importante é um projeto de localização
de aviões por satélite, em tempo
real. O principal objetivo dos projetos com a Embraer é o aumento
da competitividade.
Folha - A Embraer tem entre seus
acionistas grupos europeus. Precisava de recursos da Fapesp?
Perez - Talvez a Embraer pudesse até comprar mais barato um
projeto semelhante já pronto, realizado nos Estados Unidos. Acontece que a Fapesp tem como objetivo principal aumentar o conhecimento das nossas universidades. O programa de parceria com
empresas visa a isso.
Folha - Há projetos em biotecnologia?
Perez - Existe, por exemplo, uma
parceria com empresas fabricantes de papel, como a Suzano e Votorantim, para o estudo do genoma do eucalipto. Tornar a planta
mais produtiva. É um trabalho de
longo prazo que tem como objetivo descobrir modos de melhorar
a exploração do eucalipto estudando seu código genético. As
empresas estão entrando com um
investimento de R$ 1 milhão, e a
Fapesp com R$ 530 mil. Em média, no entanto, a Fapesp entra
com 55% do investimento necessário em programas de desenvolvimento tecnológico, e as empresas com 45%.
Folha - Como o sr. vê programas
de registro de patentes no Brasil?
Perez - Temos um número muito pequeno de patentes em todo o
país, seja de empresas ou universidades. Não há produção de pesquisa em ambiente empresarial, e
as universidades não têm uma
tradição muito arraigada de fazer
a proteção da propriedade intelectual. A Fapesp decidiu então
criar um programa para isso, o
Nuplitec [Núcleo de Patentes e Licenciamento de Tecnologia". Vamos licenciar patentes para empresas no futuro.
A Fapesp quer saber
qual o plano de negócios da empresa, qual é o investimento
da fundação e qual é o risco da parceria
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Folha - Programas como as parcerias tecnológicas tendem a enfraquecer a universidade?
Perez - Um dos grandes desafios
de política científica, tecnológica
do país é implantar uma cultura
com objetivo de pesquisa dentro
da empresa. Nosso sistema de
pesquisa está concentrado no ambiente acadêmico. A missão da
universidade é criar gente qualificada para o mercado. Quem faz a
inovação tecnológica não é a universidade. São as empresas. Apenas 3% das patentes registradas
nos EUA têm origem em universidades, e 97% nascem nas empresas. Agora, na universidade, a
pesquisa é financiada principalmente pelo Estado. É assim nos
EUA, onde apenas 5% dos recursos de pesquisa das universidades
vêm de empresas. Existe no Brasil
uma idéia equivocada de que a
universidade poderia sobreviver
com recursos de empresas.
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