São Paulo, domingo, 05 de janeiro de 2003

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TECNOLOGIA

Projetos da entidade geram lucro no setor privado; idéia é cobrar royalties

Empresa que usar pesquisa da Fapesp terá que pagar

LÁSZLÓ VARGA
DA REPORTAGEM LOCAL

Cobrar royalties das empresas que se beneficiam de projetos científicos financiados pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e também ganhar dinheiro licenciando patentes.
Esses são os planos do físico José Fernando Perez, 58, diretor científico da entidade. Cansado de ver empresas se beneficiarem de projetos bancados pela fundação, Perez definiu que a meta é cobrar cerca de 5% da receita bruta das empresas originada da venda de produtos que receberam recursos da Fapesp.
Na entrevista abaixo concedida à Folha, ele cita clientes como a Aché, Votorantim e Suzano, e fala dos novos tempos dos programas de parcerias tecnológicas com empresas. O orçamento anual da Fapesp é de R$ 370 milhões.

Folha - Quantos projetos já foram realizados com o programa Parceria para Inovação Tecnológica (Pite)?
José Fernando Perez -
Cerca de 50 empresas foram beneficiadas. Há empresas que têm dois ou mais projetos conosco. A Fapesp recebe propostas para financiar projetos de universidades com empresas parceiras.

Folha - O pesquisador da universidade é que busca sua empresa parceira?
Perez -
Exato. É ele quem busca a parceria com uma empresa. A Fapesp banca recursos para o projeto, se ele for aprovado. Mas não queremos transformar a universidade no laboratório que as empresas deveriam ter. O importante é que a universidade tenha essa parceria, para que ela melhor cumpra a sua missão de formar bem pessoas que saibam desenvolver tecnologia nas empresas. O Pite tenta casar demanda de pesquisa com oferta de pesquisa. O que se fazia muito no país antes era ter muita oferta de pesquisa na universidade sem demanda por parte das empresas.

Folha - Que exemplos o sr. citaria de projetos bem sucedidos?
Perez -
O projeto para produção de aços elétricos da CSN [Companhia Siderúrgica Nacional" e o IPT [Instituto de Pesquisas Tecnológicas" é um bom exemplo. Aço elétrico é um aço que o Brasil utiliza muito e tinha de importar. É usado para compressores de motores de refrigeradores. Essa tecnologia foi dominada no Brasil, depois da parceria entre a CSN e IPT bancada pela Fapesp. Um projeto como esse é um processo de aprendizado para todo mundo. Para a universidade, para a empresa e para a própria Fapesp. A Fapesp tem a tradição de financiar auxílios à pesquisa nas universidades e bolsas para cientistas. O Pite é um negócio diferente, uma inovação que a própria agência teve que aprender.

Folha - A CSN e o IPT exploram os benefícios desse aço sem prestar contas à Fapesp?
Perez -
O direito do uso da tecnologia é negociado entre o IPT e a CSN. A Fapesp só toma conhecimento. Estamos, no entanto, mudando nossa política sobre os direitos dos resultados das pesquisas. Outro dia chegou à Fapesp um projeto para o desenvolvimento de um certo produto que, certamente, ia ter um retorno comercial muito grande para a empresa interessada. A fundação estava trocando aquilo ali por nada. Decidimos então, há poucos meses, que iremos estabelecer um valor de quanto a Fapesp receberá de retorno para cada projeto que financiar. Não tem um valor prefixado, depende do montante que a Fapesp banca.

Folha - Que empresa motivou essa mudança?
Perez -
Não vou divulgar. O importante é que decidimos que não vamos financiar algo que consideramos que está flagrantemente desequilibrado. Pedimos para a empresa que mostrasse qual é o seu plano de negócios com o projeto. Como vão ganhar dinheiro com aquilo. Porque é um direito nosso saber como é que a empresa vai ganhar dinheiro. É preciso que prevaleça o interesse público.

Folha - Quer dizer que a Fapesp vai cobrar royalties?
Perez -
Sim, queremos receber royalties. Existe um caso interessante nesse sentido, que deu certo. É o caso do projeto entre a indústria Serrana e a Unicamp para desenvolver um pigmento de fosfato e titânio para fazer tinta branca, com propriedades como flexibilidade e brilho. A Fapesp financiou parte das pesquisas. Foi gerado o pigmento e transferida a tecnologia para a Serrana. A Serrana paga royalties para a Unicamp. Em compensação não acompanha mais o que a empresa faz com o pigmento. E os pesquisadores da Unicamp declararam textualmente: aprendemos boa química no processo. É um círculo virtuoso. A universidade gerou um produto para a empresa e os pesquisadores ganharem conhecimento com isso. Essa é a visão que a gente quer adotar como parceria da universidade com a empresa. Não é uma prestação de serviços. Não é uma consultoria. Mas os royalties serão também cobrados.


A idéia é fazer parcerias e evitar transformar a universidade em um laboratório que a empresa deveria ter

Folha - Existe um modelo de cobrança?
Perez -
Vamos ter uma solução caso a caso. Não dá para ter uma regra fixa. Às vezes é um serviço, às vezes é um produto. A Fapesp quer saber qual o plano de negócios da empresa e qual é o investimento da fundação. Qual é o risco. Isso é fundamental. Já temos um projeto interessante com a Aché para a produção do primeiro antiinflamatório desenvolvido no Brasil. A Fapesp terá uma fração da venda do medicamento.

Folha - De quanto?
Perez -
Geralmente, nos acordos que firmamos, o percentual é algo em torno de 5%, sem prazo para terminar a cobrança. A Fapesp está fazendo uma aposta com a Aché, tomara que o projeto dê certo, tomara que eles ganhem muito dinheiro, porque somos sócios.

Folha - Os empresários aceitam bem a cobrança de royalties?
Perez -
Olha, a opção é isso ou não tem recursos. Eles vão conseguir o dinheiro emprestado onde? Outro projeto que está entrando no nosso programa de royalties é um com a indústria farmacêutica Eurofarma. Trata-se de um projeto para desenvolver vacina contra febre reumática. O investimento é de R$ 2,9 milhões. A Fapesp está entrando com R$ 1,4 milhão. Conseguimos uma negociação boa. Teremos direito a 5% da receita bruta da empresa originada da venda do medicamento.

Folha - A entrada de dinheiro dos royalties começa em 2003?
Perez -
É difícil dizer quando começa. Temos também projetos de biotecnologia com pequenas empresas, como a Hormogen. O projeto visa a produção de insulina por engenharia genética. A insulina é feita a partir de partes do corpo do boi. É preciso matar muito boi para produzir insulina. Descobriram, porém, que existe um gene na hipófise do boi que produz exatamente a insulina. A idéia é pegar um gene do boi e colocá-lo em uma bactéria, que produziria a insulina.

Folha - A Fapesp tem programas com a Embraer?
Perez -
Temos quatro projetos com a Embraer. O mais importante é um projeto de localização de aviões por satélite, em tempo real. O principal objetivo dos projetos com a Embraer é o aumento da competitividade.

Folha - A Embraer tem entre seus acionistas grupos europeus. Precisava de recursos da Fapesp?
Perez -
Talvez a Embraer pudesse até comprar mais barato um projeto semelhante já pronto, realizado nos Estados Unidos. Acontece que a Fapesp tem como objetivo principal aumentar o conhecimento das nossas universidades. O programa de parceria com empresas visa a isso.

Folha - Há projetos em biotecnologia?
Perez -
Existe, por exemplo, uma parceria com empresas fabricantes de papel, como a Suzano e Votorantim, para o estudo do genoma do eucalipto. Tornar a planta mais produtiva. É um trabalho de longo prazo que tem como objetivo descobrir modos de melhorar a exploração do eucalipto estudando seu código genético. As empresas estão entrando com um investimento de R$ 1 milhão, e a Fapesp com R$ 530 mil. Em média, no entanto, a Fapesp entra com 55% do investimento necessário em programas de desenvolvimento tecnológico, e as empresas com 45%.

Folha - Como o sr. vê programas de registro de patentes no Brasil?
Perez -
Temos um número muito pequeno de patentes em todo o país, seja de empresas ou universidades. Não há produção de pesquisa em ambiente empresarial, e as universidades não têm uma tradição muito arraigada de fazer a proteção da propriedade intelectual. A Fapesp decidiu então criar um programa para isso, o Nuplitec [Núcleo de Patentes e Licenciamento de Tecnologia". Vamos licenciar patentes para empresas no futuro.


A Fapesp quer saber qual o plano de negócios da empresa, qual é o investimento da fundação e qual é o risco da parceria

Folha - Programas como as parcerias tecnológicas tendem a enfraquecer a universidade?
Perez -
Um dos grandes desafios de política científica, tecnológica do país é implantar uma cultura com objetivo de pesquisa dentro da empresa. Nosso sistema de pesquisa está concentrado no ambiente acadêmico. A missão da universidade é criar gente qualificada para o mercado. Quem faz a inovação tecnológica não é a universidade. São as empresas. Apenas 3% das patentes registradas nos EUA têm origem em universidades, e 97% nascem nas empresas. Agora, na universidade, a pesquisa é financiada principalmente pelo Estado. É assim nos EUA, onde apenas 5% dos recursos de pesquisa das universidades vêm de empresas. Existe no Brasil uma idéia equivocada de que a universidade poderia sobreviver com recursos de empresas.



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