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PECUÁRIA
Novo foco, porém, é retrocesso para o Brasil, diz diretor de centro pan-americano
País pode superar logo crise da aftosa, afirma especialista
Ana Carolina Fernandes/Folha Imagem
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O chileno Eduardo Correa de Melo, diretor do Panaftosa, no Rio |
ELVIRA LOBATO
DA SUCURSAL DO RIO
O aparecimento de focos de febre aftosa no Brasil é um retrocesso para a América do Sul, que tem
a meta de erradicar a doença até
2009, afirma o diretor do Centro
Pan-Americano de Febre Aftosa
(Panaftosa), o chileno Eduardo
Correa de Melo, 64.
Mas ele diz que o país pode superar rapidamente o problema,
como fizeram o Uruguai e a Argentina, em 2001. O Uruguai teve
focos em todo o território e os eliminou em quatro meses. A Argentina levou menos de um ano.
Segundo Correa de Melo, Chile,
Guianas e a região da Patagônia,
na Argentina, são as únicas áreas
livres da doença, sem vacinação.
O Centro Pan-Americano de Febre Aftosa foi criado há 51 anos e
funciona em uma antiga fazenda
em Duque de Caxias, na Baixada
Fluminense. O veterinário diz que
o foco foi provocado por um vírus
comum na América do Sul e que,
embora não descarte a hipótese,
nunca soube de caso da doença
provocado por sabotagem.
Afirma ainda que a qualidade
da vacina foi analisada e que ela
protege contra o vírus, mas, se
não for mantida na temperatura
indicada, pode perder a eficácia.
Folha - O sr. ficou surpreso com o
ressurgimento da doença na região
Centro-Oeste do país?
Eduardo Correa Melo - Em 1988,
quando foi desenhado o Plano
Hemisférico para a Erradicação
da Febre Aftosa na América do
Sul, só o Chile estava livre da
doença, mas ele representa apenas 1% do rebanho do continente.
Hoje, 78% do rebanho está em
áreas livres de aftosa.
O avanço não significa que estejamos livres do problema. Enquanto não eliminarmos o vírus,
a América do Sul continuará sob
o risco de febre aftosa. Não na
quantidade que havia 20 ou 25
anos atrás, quando só o Brasil
possuía cerca de 8.000 focos.
Folha - Como está o controle da
doença na América do Sul?
Correa de Melo - Chile, Guianas e
Patagônia, na Argentina, são
áreas livres da doença, sem vacinação. O resto de Argentina, Uruguai, Paraguai, sul do Peru, parte
da Colômbia, da Venezuela e do
Equador e e as regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste do Brasil foram
declaradas livres da aftosa, com
vacinação. Agora, a situação em
Mato Grosso do Sul mudou.
Folha - No Brasil, questiona-se de
quem é a responsabilidade pelo foco, se dos fazendeiros ou do governo. Quem é o culpado?
Correa de Melo - Os fazendeiros
fizeram um grande esforço para
eliminar a febre aftosa. Isso fez o
país ter mais de 140 milhões de cabeças em áreas livres da enfermidade. É um grande feito, mas, lamentavelmente, enquanto houver áreas com problemas, haverá
risco para todos.
Folha - O sr. acredita na possibilidade de sabotagem?
Correa de Melo - O vírus que apareceu em Eldorado é um vírus local, identificado como O1, que já
havia se manifestado em áreas
próximas, em anos anteriores, como em Pozo Hondo, no Chaco
Paraguaio, em 2003. Tem relação
também com o foco surgido no
Uruguai, em 2001. Existem sete tipos de vírus da aftosa: A, O, C,
Asia 1, sat 1, sat2 e sat3. Os quatro
últimos não existem na América
do Sul. Nos últimos anos, os vírus
que apareceram
na América do Sul
foram os tipos A e
O. A única ocorrência do vírus C,
nos últimos 15
anos, foi em Careiro da Várzea
(Amazonas), em
2004.
Não vou descartar sabotagem
sem que haja um
trabalho de inteligência, mas só o
Brasil pode fazer
esse trabalho. Outro ponto importante: analisamos
a qualidade da vacina e concluímos
que ela protege
adequadamente
contra esse vírus.
Folha - Se o gado
estava vacinado, e
o senhor diz que a
vacina é eficaz, como surgiu o foco?
Correa de Melo - A causa pode
estar no manuseio errado da vacina. Se a vacina não for mantida na
temperatura indicada, de 4C a
8C, ela perde a eficácia.
Folha - Basta que uma rês não seja vacinada para colocar todo o gado em risco?
Correa de Melo - O importante é
ter uma porcentagem de vacinação alta. O ideal é ter 100% do gado vacinado.
Folha - A doença pode ter sido
transmitida por gado contrabandeado do Paraguai?
Correa de Melo - Não tenho informação a esse respeito. O vírus
detectado em Eldorado é da mesma família do que
se manifestou em
Naviraí, em Mato
Grosso do Sul, há
sete anos. O mesmo tipo foi detectado no Chaco
Boliviano e em
Pozo Hondo, no
Uruguai, em 2003.
Não é um vírus estranho, como se
chegou a aventar.
É da região.
Folha - O aparecimento do foco é
um retrocesso para
o Brasil?
Correa de Melo -
O aparecimento
de um foco, em
qualquer caso,
significa retrocesso, mas temos a
capacidade de rapidamente retomar a condição de
não-enfermidade.
Em 2001, havia
focos em todo o território uruguaio, e em quatro meses o país
eliminou a doença. A Argentina,
atingida também em 2001, terminou com a doença em menos de
um ano.
Folha - Como conseguiram?
Correa de Melo - Com vacinação
eficiente, controle adequado dos
focos, e com a eliminação dos animais enfermos. É o mesmo que o
Brasil está fazendo. O Brasil está
tomando as medidas certas.O sistema de controle de vacinas do
Brasil é muito eficiente, um dos
melhores da região.
Folha - Qual a meta para a erradicação da aftosa no Brasil?
Correa de Melo - Em março de
2004, numa reunião entre ministros de Agricultura, dirigentes de
associações de pecuaristas e produtores de vacina, em Houston
(EUA), foi reiterado o compromisso de erradicar a febre aftosa
da América do Sul em 2009. Foi
criado o Grupo Interamericano
para Erradicação da Febre Aftosa
(Giefa), do qual somos a secretaria técnica, para garantir a erradicação até 2009. O importante,
nessa direção, é aplicar os programas onde a doença persiste, como
Equador, Venezuela e parte do
Brasil. No ano passado, houve
duas ocorrências no Brasil: em
Monte Alegre (PA) e em Careiro
da Várzea (AM). Outra ação importante é fortalecer as ações conjuntas em fronteiras.
Folha - A área livre sem vacinação
é a que nunca registrou a doença?
Correa de Melo - Não. Um país
pode chegar a ser livre sem vacinação depois de passar por processo de vacinação. É o caso do
Chile, que foi declarado livre, sem
vacinação, em 1981. Entre 1970 e
80, o país fez um processo de vacinação sistemática, que eliminou o
vírus de seu território. Essa evolução depende de estudos para
comprovar que não há reciclagem
de vírus. O Chile tem pouco gado.
Folha - A aftosa ocorre nas três
Américas?
Correa de Melo - As Américas
Central e do Norte são livres de aftosa. Os EUA erradicaram a doença em 1929, o México, em 1954, e o
Canadá, em 1952. A América Central nunca teve a doença. Também não tem rebanho em escala
comercial.
Folha - Como o vírus se reproduz?
Correa de Melo - Precisa estar em
um animal para poder se reciclar,
mas pode ficar encoberto por algum processo de vacinação, ficar
inativo e voltar a se manifestar [...]
Folha - Se o ser humano comer
carne de um animal com febre aftosa, ficará doente também?
Correa de Melo - Não. O vírus é
inofensivo para o homem. O motivo do grande esforço para combater a doença é econômico. O gado contaminado fica fraco, perde
peso e se torna economicamente
inviável.
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