São Paulo, quarta-feira, 19 de outubro de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

PECUÁRIA

Novo foco, porém, é retrocesso para o Brasil, diz diretor de centro pan-americano

País pode superar logo crise da aftosa, afirma especialista

Ana Carolina Fernandes/Folha Imagem
O chileno Eduardo Correa de Melo, diretor do Panaftosa, no Rio


ELVIRA LOBATO
DA SUCURSAL DO RIO

O aparecimento de focos de febre aftosa no Brasil é um retrocesso para a América do Sul, que tem a meta de erradicar a doença até 2009, afirma o diretor do Centro Pan-Americano de Febre Aftosa (Panaftosa), o chileno Eduardo Correa de Melo, 64.
Mas ele diz que o país pode superar rapidamente o problema, como fizeram o Uruguai e a Argentina, em 2001. O Uruguai teve focos em todo o território e os eliminou em quatro meses. A Argentina levou menos de um ano.
Segundo Correa de Melo, Chile, Guianas e a região da Patagônia, na Argentina, são as únicas áreas livres da doença, sem vacinação. O Centro Pan-Americano de Febre Aftosa foi criado há 51 anos e funciona em uma antiga fazenda em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. O veterinário diz que o foco foi provocado por um vírus comum na América do Sul e que, embora não descarte a hipótese, nunca soube de caso da doença provocado por sabotagem.
Afirma ainda que a qualidade da vacina foi analisada e que ela protege contra o vírus, mas, se não for mantida na temperatura indicada, pode perder a eficácia.
 

Folha - O sr. ficou surpreso com o ressurgimento da doença na região Centro-Oeste do país?
Eduardo Correa Melo -
Em 1988, quando foi desenhado o Plano Hemisférico para a Erradicação da Febre Aftosa na América do Sul, só o Chile estava livre da doença, mas ele representa apenas 1% do rebanho do continente. Hoje, 78% do rebanho está em áreas livres de aftosa.
O avanço não significa que estejamos livres do problema. Enquanto não eliminarmos o vírus, a América do Sul continuará sob o risco de febre aftosa. Não na quantidade que havia 20 ou 25 anos atrás, quando só o Brasil possuía cerca de 8.000 focos.

Folha - Como está o controle da doença na América do Sul?
Correa de Melo -
Chile, Guianas e Patagônia, na Argentina, são áreas livres da doença, sem vacinação. O resto de Argentina, Uruguai, Paraguai, sul do Peru, parte da Colômbia, da Venezuela e do Equador e e as regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste do Brasil foram declaradas livres da aftosa, com vacinação. Agora, a situação em Mato Grosso do Sul mudou.

Folha - No Brasil, questiona-se de quem é a responsabilidade pelo foco, se dos fazendeiros ou do governo. Quem é o culpado?
Correa de Melo -
Os fazendeiros fizeram um grande esforço para eliminar a febre aftosa. Isso fez o país ter mais de 140 milhões de cabeças em áreas livres da enfermidade. É um grande feito, mas, lamentavelmente, enquanto houver áreas com problemas, haverá risco para todos.

Folha - O sr. acredita na possibilidade de sabotagem?
Correa de Melo -
O vírus que apareceu em Eldorado é um vírus local, identificado como O1, que já havia se manifestado em áreas próximas, em anos anteriores, como em Pozo Hondo, no Chaco Paraguaio, em 2003. Tem relação também com o foco surgido no Uruguai, em 2001. Existem sete tipos de vírus da aftosa: A, O, C, Asia 1, sat 1, sat2 e sat3. Os quatro últimos não existem na América do Sul. Nos últimos anos, os vírus que apareceram na América do Sul foram os tipos A e O. A única ocorrência do vírus C, nos últimos 15 anos, foi em Careiro da Várzea (Amazonas), em 2004.
Não vou descartar sabotagem sem que haja um trabalho de inteligência, mas só o Brasil pode fazer esse trabalho. Outro ponto importante: analisamos a qualidade da vacina e concluímos que ela protege adequadamente contra esse vírus.

Folha - Se o gado estava vacinado, e o senhor diz que a vacina é eficaz, como surgiu o foco?
Correa de Melo -
A causa pode estar no manuseio errado da vacina. Se a vacina não for mantida na temperatura indicada, de 4C a 8C, ela perde a eficácia.

Folha - Basta que uma rês não seja vacinada para colocar todo o gado em risco?
Correa de Melo -
O importante é ter uma porcentagem de vacinação alta. O ideal é ter 100% do gado vacinado.

Folha - A doença pode ter sido transmitida por gado contrabandeado do Paraguai?
Correa de Melo -
Não tenho informação a esse respeito. O vírus detectado em Eldorado é da mesma família do que se manifestou em Naviraí, em Mato Grosso do Sul, há sete anos. O mesmo tipo foi detectado no Chaco Boliviano e em Pozo Hondo, no Uruguai, em 2003. Não é um vírus estranho, como se chegou a aventar. É da região.

Folha - O aparecimento do foco é um retrocesso para o Brasil?
Correa de Melo -
O aparecimento de um foco, em qualquer caso, significa retrocesso, mas temos a capacidade de rapidamente retomar a condição de não-enfermidade.
Em 2001, havia focos em todo o território uruguaio, e em quatro meses o país eliminou a doença. A Argentina, atingida também em 2001, terminou com a doença em menos de um ano.

Folha - Como conseguiram?
Correa de Melo -
Com vacinação eficiente, controle adequado dos focos, e com a eliminação dos animais enfermos. É o mesmo que o Brasil está fazendo. O Brasil está tomando as medidas certas.O sistema de controle de vacinas do Brasil é muito eficiente, um dos melhores da região.

Folha - Qual a meta para a erradicação da aftosa no Brasil?
Correa de Melo -
Em março de 2004, numa reunião entre ministros de Agricultura, dirigentes de associações de pecuaristas e produtores de vacina, em Houston (EUA), foi reiterado o compromisso de erradicar a febre aftosa da América do Sul em 2009. Foi criado o Grupo Interamericano para Erradicação da Febre Aftosa (Giefa), do qual somos a secretaria técnica, para garantir a erradicação até 2009. O importante, nessa direção, é aplicar os programas onde a doença persiste, como Equador, Venezuela e parte do Brasil. No ano passado, houve duas ocorrências no Brasil: em Monte Alegre (PA) e em Careiro da Várzea (AM). Outra ação importante é fortalecer as ações conjuntas em fronteiras.

Folha - A área livre sem vacinação é a que nunca registrou a doença?
Correa de Melo -
Não. Um país pode chegar a ser livre sem vacinação depois de passar por processo de vacinação. É o caso do Chile, que foi declarado livre, sem vacinação, em 1981. Entre 1970 e 80, o país fez um processo de vacinação sistemática, que eliminou o vírus de seu território. Essa evolução depende de estudos para comprovar que não há reciclagem de vírus. O Chile tem pouco gado.

Folha - A aftosa ocorre nas três Américas?
Correa de Melo -
As Américas Central e do Norte são livres de aftosa. Os EUA erradicaram a doença em 1929, o México, em 1954, e o Canadá, em 1952. A América Central nunca teve a doença. Também não tem rebanho em escala comercial.

Folha - Como o vírus se reproduz?
Correa de Melo -
Precisa estar em um animal para poder se reciclar, mas pode ficar encoberto por algum processo de vacinação, ficar inativo e voltar a se manifestar [...]

Folha - Se o ser humano comer carne de um animal com febre aftosa, ficará doente também?
Correa de Melo -
Não. O vírus é inofensivo para o homem. O motivo do grande esforço para combater a doença é econômico. O gado contaminado fica fraco, perde peso e se torna economicamente inviável.


Texto Anterior: Doença ainda não afeta vida nas fazendas
Próximo Texto: Frase
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.