Saltar para o conteúdo principal Saltar para o menu
 
 

Lista de textos do jornal de hoje Navegue por editoria

Especial

  • Tamanho da Letra  
  • Comunicar Erros  
  • Imprimir  

'Cercado de lobos', Bento 16 anuncia a sua saída

Decisão de papa é inédita há 598 anos, quando Gregório 12 abdicou

Sumo Pontífice estava isolado após denúncias de corrupção no Banco do Vaticano e mordomo vazar documentos

CLÓVIS ROSSI EM MILÃO GRACILIANO ROCHA ENVIADO ESPECIAL A ROMA

Até o jornal oficial do Vaticano, "L'Osservatore Romano", havia anunciado no ano passado que o papa Bento 16 era "um pastor cercado de lobos".

Ontem, o pastor se rendeu aos lobos, ao anunciar que renuncia ao papado às 20h do dia 28 (17h em Brasília), embora tenha alegado motivos de saúde ou, mais exatamente, que se deteriorara "a fortaleza da mente e do corpo", indispensável para o bom exercício de sua função, especialmente em um homem de 85 anos como ele.

O anúncio surpreendente foi feito em latim durante reunião com cardeais para discutir o reconhecimento de santos. "Houve total silêncio", disse ao "Guardian" o monsenhor mexicano Oscar Sanchez, descrevendo a reação na sala.

A explicação para a saída é pouco condizente com o fato de seu porta-voz, Federico Lombardi, ter dito que não havia uma doença específica que tivesse levado o papa a um gesto inédito em 598 anos. É preciso voltar a 1415, quando Gregório 12 renunciou, para encontrar uma decisão desse gênero.

Também pouco condizente com a avaliação do segundo homem do Vaticano, o secretário de Estado Tarciso Bertone, para quem "a capacidade intelectual [do papa] permanece intensamente fecunda".

Se a mente está lúcida, restaria apenas a hipótese de "stanchezza" (cansaço), a palavra mais usada na TV italiana para explicar o gesto "histórico, inesperado e humilde" do papa, na manchete on-line do jornal católico "L'Avvenire".

Mas cansaço não é exatamente um motivo suficiente para um papa renunciar. Foi o que fez questão de dizer o secretário pessoal do antecessor de Bento 16, o papa João Paulo 2º, que, visivelmente abalado pela dor e pela doença, fez questão de morrer nos seus aposentos do Vaticano.

"Da cruz não se desce", disse o cardeal Stanislaw Dzinisz, ainda que tenha feito questão de ressalvar que não estava criticando o sucessor de João Paulo 2º.

Nos círculos religiosos, prevaleceu absolutamente a versão oficial. Mas o padre José Oscar Beozzo, professor de pós-graduação em História da Igreja no Instituto Teológico São Paulo, escreveu à Folha para dizer que, além do cansaço, "deve ter pesado também o desgosto de ver violada sua intimidade pelo mordomo; os vazamentos para a imprensa de papeis pessoais e o dissenso interno entre altos responsáveis da Igreja".

Retoma, pois, a tese do pastor cercado de lobos. De fato, Bento 16 foi ficando isolado no Vaticano. Perdeu o arcebispo Carlo Maria Viganò, então secretário-geral do Governatorato, responsável pelas licitações e pelo abastecimento da cidade-Estado, que denunciara casos de corrupção no Vaticano e foi enviado como núncio apostólico aos EUA pelo cardeal Bertone.

Depois perdeu seu mordomo. Paolo Gabriele, o "Paoletto", foi preso, acusado de vazar documentos pessoais do papa, condenado e depois indultado pelo Sumo Pontífice.

Perdeu Ettore Gotti Tedeschi, presidente do Instituto para Obras Religiosas, o banco do Vaticano, seu homem de confiança, acusado de má gestão e vítima de impiedosa campanha de linchamento moral conduzida por Bertone.

VIGÍLIA EM ROMA

O anúncio foi inesperado, mas o papa já havia falado indiretamente sobre a possibilidade em 2010, em uma entrevista ao jornalista alemão Peter Seewald. "Quando um papa chega à consciência clara de não estar mais em condições física, mental e espiritualmente de desempenhar o cargo que lhe foi confiado, tem o direito e em algumas circunstâncias até o dever de renunciar."

Em Roma, a notícia levou cerca de 300 pessoas, sob uma garoa fina e um frio de 9ºC, à praça São Pedro. Dezenas carregavam velas embaladas em caixinhas de papel para proteger a chama do vento cortante.

Embalados por dois violões, os fiéis entoavam músicas de louvor à Virgem Maria, rezavam e, entre um cântico e outro, gritavam "viva o papa". O sentimento predominante variava entre o desconcerto com a renúncia inesperada e o clamor místico.

Uma faixa estendida por um grupo de jovens dizia: "Tu és Pedro e nós, jovens, te amamos". "O anúncio dele aconteceu no mesmo dia em que a Virgem Maria apareceu para uma menina em Lourdes. É um sinal da vontade de Deus", disse Beatrice Savini.

O anúncio cria uma situação inédita e de consequências imprevisíveis. Será um conclave com o papa atual vivo, embora tenha renunciado.

Mais: o novo papa será fatalmente confrontado ao antecessor, mas não a um antecessor morto.

Após a saída, o papa ficará recolhido a um convento no Vaticano que está passando por obras.


Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página