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FUTEBOL
Teoria sobre o craque
TOSTÃO
COLUNISTA DA FOLHA
Nas últimas semanas, muito se comentou e se discutiu
na imprensa e entre os torcedores
se Robinho e Diego já podem ser
chamados de craques. As opiniões
são divergentes. Os apressados já
elegeram Robinho e Diego os melhores jogadores do Brasil. Poderiam ser do Campeonato Brasileiro porque brilharam intensamente na fase decisiva. Não sei também se o Kaká, para mim o melhor jogador do Brasil, deveria ser
chamado de craque.
A história do futebol brasileiro
nos ensina que muitos jogadores
que pareciam craques eram apenas excelentes. Outros, nem isso.
Para um jogador ser considerado
craque, ele precisa brilhar por um
tempo maior. Isso é básico. O gênio é exceção. Quem, porém, pode
ser chamado de gênio? Há também controvérsias.
Na definição do craque, alguns
são mais rigorosos, como eu, Paulo César Vasconcellos e José Trajano. Outros são mais apressados
e encantados com os jovens artistas da bola. No Brasil, todo jogador habilidoso é craque. Muitos
querem ainda ser os primeiros a
nomear o craque. Todo craque
tem dezenas de descobridores.
Há também os jogadores que
surpreendem. Pareciam apenas
excelentes e se tornaram craques,
como Rivaldo. Existem também
os que todos têm certeza de que
não são craques, mas, de repente,
fazem um gol e/ou uma jogada de
craque. Todo perna-de-pau já teve seu dia de craque.
Há outros parâmetros discutíveis na definição de craque. O
mais poético e interessante é que
o craque antevê a jogada. Pensa
antes dos outros. Sabe antes aonde a bola vai chegar. Como ele sabe? Sabendo. Existe um saber que
antecede o raciocínio lógico. Mas
não adianta somente antever o
lance, é preciso executá-lo. Para
isso, porém, o jogador precisa ter
técnica e outras qualidades físicas
e emocionais.
A técnica é o conjunto de fundamentos básicos (drible, passe, desarme, finalização). A habilidade
é a intimidade com a bola e o uso
da técnica diante de um obstáculo. A criatividade é a capacidade
de antever, imaginar, improvisar
e surpreender. A criatividade não
se ensina, mas pode se aprender a
usar. A habilidade também não
se aprende, mas pode se aprimorar. A técnica pode ser aprimorada, desenvolvida e até aprendida.
Palhinha, ex-jogador do São
Paulo, Cruzeiro, América-MG e
dezenas de outros times, tinha a
criatividade dos craques, mas não
realizava o que imaginava. Não
foi um craque. Denílson tem uma
habilidade monstruosa, porém
não possui alguns fundamentos
técnicos essenciais. Também não
é craque. Espero que o Diego e o
endiabrado e habilidoso Robinho
se tornem realmente craques.
Há ainda os que têm habilidade, muita técnica, são decisivos
nas partidas, mas não têm a criatividade dos craques. No entanto
são craques, como Rivaldo.
Alguns acham que, para ser
craque, é preciso brilhar na seleção por um bom tempo. Há exceções. Ademir da Guia, Dirceu Lopes, Zé Carlos, do Cruzeiro, e outros só se destacaram nos seus clubes e foram grandes craques. Há
ainda os que são titulares e excelentes por longo tempo na seleção
e não são craques, como Cafu.
Outro parâmetro seria o da
conquista de títulos. Como regra,
o craque joga numa grande equipe e ganha muitos campeonatos
importantes. Não existe craque
em time fraco. Porém Rivelino,
um supercraque, jogou um longo
tempo no Corinthians sem conquistar títulos. Só foi campeão em
clubes pelo Fluminense. Os craques da Copa de 82, Falcão, Júnior, Cerezzo, Sócrates e o supercraque Zico, não foram campeões
do mundo de seleções.
Uma característica comum dos
grandes craques é a garra. Em
qualquer atividade, os craques
são perfeccionistas, obstinados e
ambiciosos. Querem sempre brilhar mais e ser o melhor. Os craques quando recebem críticas e
vaias, em vez de ficarem abatidos,
jogam ainda melhor.
Treinar muito é importante para aprimorar as virtudes, diminuir as deficiências (craque também tem defeito), mas também
há exceções. Romário sempre
treinou pouco, somente o que iria
fazer em campo. Isso é também
sabedoria. Pelé treinou muito
pouco. Menino, já era titular do
Santos e a equipe viajava por todo o mundo. Jogava em dias alternados. Treino, só na imaginação, no hotel e no avião.
Pelé tinha, em altíssimo nível,
todas as virtudes e características
técnicas, físicas e emocionais de
um craque. Por isso foi o craque
dos craques.
Não dá para definir o craque. O
craque não tem explicação. O craque é. O que é é.
E-mail
tostao.folha@uol.com.br
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