São Paulo, domingo, 29 de dezembro de 2002

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FUTEBOL

Teoria sobre o craque

TOSTÃO
COLUNISTA DA FOLHA

Nas últimas semanas, muito se comentou e se discutiu na imprensa e entre os torcedores se Robinho e Diego já podem ser chamados de craques. As opiniões são divergentes. Os apressados já elegeram Robinho e Diego os melhores jogadores do Brasil. Poderiam ser do Campeonato Brasileiro porque brilharam intensamente na fase decisiva. Não sei também se o Kaká, para mim o melhor jogador do Brasil, deveria ser chamado de craque.
A história do futebol brasileiro nos ensina que muitos jogadores que pareciam craques eram apenas excelentes. Outros, nem isso. Para um jogador ser considerado craque, ele precisa brilhar por um tempo maior. Isso é básico. O gênio é exceção. Quem, porém, pode ser chamado de gênio? Há também controvérsias.
Na definição do craque, alguns são mais rigorosos, como eu, Paulo César Vasconcellos e José Trajano. Outros são mais apressados e encantados com os jovens artistas da bola. No Brasil, todo jogador habilidoso é craque. Muitos querem ainda ser os primeiros a nomear o craque. Todo craque tem dezenas de descobridores.
Há também os jogadores que surpreendem. Pareciam apenas excelentes e se tornaram craques, como Rivaldo. Existem também os que todos têm certeza de que não são craques, mas, de repente, fazem um gol e/ou uma jogada de craque. Todo perna-de-pau já teve seu dia de craque.
Há outros parâmetros discutíveis na definição de craque. O mais poético e interessante é que o craque antevê a jogada. Pensa antes dos outros. Sabe antes aonde a bola vai chegar. Como ele sabe? Sabendo. Existe um saber que antecede o raciocínio lógico. Mas não adianta somente antever o lance, é preciso executá-lo. Para isso, porém, o jogador precisa ter técnica e outras qualidades físicas e emocionais.
A técnica é o conjunto de fundamentos básicos (drible, passe, desarme, finalização). A habilidade é a intimidade com a bola e o uso da técnica diante de um obstáculo. A criatividade é a capacidade de antever, imaginar, improvisar e surpreender. A criatividade não se ensina, mas pode se aprender a usar. A habilidade também não se aprende, mas pode se aprimorar. A técnica pode ser aprimorada, desenvolvida e até aprendida.
Palhinha, ex-jogador do São Paulo, Cruzeiro, América-MG e dezenas de outros times, tinha a criatividade dos craques, mas não realizava o que imaginava. Não foi um craque. Denílson tem uma habilidade monstruosa, porém não possui alguns fundamentos técnicos essenciais. Também não é craque. Espero que o Diego e o endiabrado e habilidoso Robinho se tornem realmente craques.
Há ainda os que têm habilidade, muita técnica, são decisivos nas partidas, mas não têm a criatividade dos craques. No entanto são craques, como Rivaldo.
Alguns acham que, para ser craque, é preciso brilhar na seleção por um bom tempo. Há exceções. Ademir da Guia, Dirceu Lopes, Zé Carlos, do Cruzeiro, e outros só se destacaram nos seus clubes e foram grandes craques. Há ainda os que são titulares e excelentes por longo tempo na seleção e não são craques, como Cafu.
Outro parâmetro seria o da conquista de títulos. Como regra, o craque joga numa grande equipe e ganha muitos campeonatos importantes. Não existe craque em time fraco. Porém Rivelino, um supercraque, jogou um longo tempo no Corinthians sem conquistar títulos. Só foi campeão em clubes pelo Fluminense. Os craques da Copa de 82, Falcão, Júnior, Cerezzo, Sócrates e o supercraque Zico, não foram campeões do mundo de seleções.
Uma característica comum dos grandes craques é a garra. Em qualquer atividade, os craques são perfeccionistas, obstinados e ambiciosos. Querem sempre brilhar mais e ser o melhor. Os craques quando recebem críticas e vaias, em vez de ficarem abatidos, jogam ainda melhor.
Treinar muito é importante para aprimorar as virtudes, diminuir as deficiências (craque também tem defeito), mas também há exceções. Romário sempre treinou pouco, somente o que iria fazer em campo. Isso é também sabedoria. Pelé treinou muito pouco. Menino, já era titular do Santos e a equipe viajava por todo o mundo. Jogava em dias alternados. Treino, só na imaginação, no hotel e no avião.
Pelé tinha, em altíssimo nível, todas as virtudes e características técnicas, físicas e emocionais de um craque. Por isso foi o craque dos craques.
Não dá para definir o craque. O craque não tem explicação. O craque é. O que é é.

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