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COMENTÁRIO
Enrolem as bandeiras verde-amarelas
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Talvez seja mais conveniente
tirar a decoração verde-amarela da sala e enrolar as bandeiras,
até porque as chances de "Cidade
de Deus" ganhar um prêmio são
remotas, e com isso evitam-se decepções maiores.
Há um outro motivo, talvez o principal: arte não é uma competição esportiva, como bem lembrava o velho e bom George C. Scott, que não compareceu à cerimônia em que ganhou o seu Oscar de melhor ator, por "Patton
- Rebelde ou Herói".
É verdade que a Academia fomenta essa idéia de competição,
que acaba sendo bem aceita pelo
povo, em geral adoradores de
competições -da Copa do Mundo ao jogo de bingo, vale tudo.
O Oscar é, em parte, um truque
publicitário. Mas o essencial da
coisa está nesse "em parte", justamente. O que esse prêmio tem de
muito especial é o fato de representar com razoável exatidão o
que as pessoas ligadas à indústria
de Hollywood pensam a respeito
de seu próprio trabalho. É muito
diferente de um júri dos festivais
de cinema de Cannes ou de Veneza, por exemplo.
O Oscar de 2003 apresenta uma
dispersão considerável nos prêmios principais. "Cold Mountain" é, em princípio, o único "filme de Oscar" na parada (filmes
"sérios", dramáticos, com freqüência sobre cientistas loucos ou
pessoas com problemas físicos,
feitos para aparecer no Oscar).
"Mestre dos Mares - O Lado
Mais Distante do Mundo" e "O
Senhor dos Anéis: O Retorno do
Rei" entram na cota das grandes
produções. Se um deles ganhar,
especialmente o segundo, quer
dizer que a Academia está querendo referendar aquilo que a bilheteria já consagrou.
As chances de "Sobre Meninos e
Lobos" vêm mais do tema (pedofilia, muito popular no momento
nos Estados Unidos) do que do
belíssimo trabalho de Clint Eastwood. "Encontros e Desencontros", de Sofia Coppola, é um pequeno filme independente -mas
não um típico, consagrado, como
era o "Fargo" dos irmãos Coen,
que ganhou Oscar de roteiro original em 1997.
Em certas outras categorias importantes, como de melhor atriz,
a mesma dispersão: há gente da
Austrália, da Inglaterra, da África
do Sul. Dada essa dispersão, "Cidade de Deus" pode até não levar
nada, mas a sua presença será importante para aumentar ou preservar o interesse em torno de filmes brasileiros. No exterior, mas
sobretudo no Brasil mesmo, onde
com a mesma velocidade agitamos bandeiras e, no momento seguinte, damos com o pau da própria na cabeça do freguês.
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