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CRÍTICA
Série retrata hip hop com franqueza
BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA
Sai o samba, axé, trio electro,
frevo etc. e entra o rap: nesta
sexta-feira, estréia no Multishow
a minissérie "Platinum". Com a
chancela dos Coppola -o pai,
Francis Ford, que é co-produtor;
e a filha, Sofia, responsável pela
história original e pela produção-, é um exemplo de como a
TV pode, mesmo em formatos
convencionais, ir um pouco além
do óbvio em termos estéticos.
A série, que foi ao ar entre abril
e maio de 2003 nos EUA, foi mal
de audiência e não passou dos
seis capítulos. Emplacar uma
atração com elenco quase que
100% negro é um desafio, mesmo
numa TV mais multicultural como a norte-americana e numa
emissora, a UPN, que se diferencia das demais justamente por
explorar o nicho de público formado por negros jovens.
É um paradoxo da sociedade
norte-americana: ao mesmo
tempo em que as pressões políticas forçam a visibilidade das minorias, o racismo e o segregacionismo estão impregnados nas relações mais minúsculas.
Por outro lado, há nos EUA
-e "Platinum" é extremamente
bem-sucedido nesse sentido-
uma cultura negra diversa e com
um poder de expressão e de afirmação impressionante. Centrada na figura de dois irmãos proprietários de um selo independente de hip hop, o Sweetback
Records, a série é quase hiper-realista no panorama que faz
desse mundo, que, ao mesmo
tempo em que conserva uma ligação orgânica com o gueto e
com a marginalidade, movimenta fortunas e constrói milionários
do dia para a noite.
É com essa contradição entre a
legitimidade do negócio hip hop
e a sua necessidade de conservar
os vínculos com a rua e, muitas
vezes, com o crime e a violência,
que a série trabalha. Claro que,
com o dedo dos Coppola no
meio, a guerra de poder -em
"Platinum", gira em torno dos
contratos de dois rappers, um
negro do gueto e um claramente
inspirado no Eminem- assume
ares glamourosos, por mais métodos sujos que utilize, e remete à
saga dos Corleone.
O que torna "Platinum" interessante, entretanto, é o esforço
de se apropriar da linguagem dos
videoclipes de rap. Não, não do
jeito canhestro que se fazia nos
anos 80, com câmeras tortas e
edição frenética. Ao contrário,
em vez de afogar o espectador
em imagens desconexas, os clipes são generosos em closes, demoram-se na exibição dos personagens. Da mesma forma, na série, o ritmo de edição e montagem parecem obedecer ora à urgência do falatório indignado
dos raps ora ao tempo mais lento
do rhythm'n'blues e do soul.
E, por fim, o humor com que a
soberba e a macheza dos rappers
são tratadas fornece o elemento
crítico, distanciado, sem o qual a
série se confundiria, justamente,
com o olhar condescendente dos
videoclipes.
E-mail: biabramo.tv@uol.com.br
PLATINUM. Quando: estréia sex. (dia 5), às 23h15, no Multishow.
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