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Mônica Bergamo

Prestes a fazer 91 anos, Tônia Carrero vive reclusa, cercada do afeto de uma família de artistas; está lúcida, mas quase não fala e anda com dificuldade

Em um Rio de Janeiro infestado de paparazzi, a bela senhora de 90 anos toma seu banho de sol diário em uma praça do Leblon. Não merece o foco de nenhum fotógrafo de celebridades de plantão.

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Mariinha faz o trajeto em cadeira de rodas. Logo retorna ao apartamento que, há cinco anos, divide com o sobrinho Leonardo Thierry, a governanta e duas cuidadoras.

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Os cabelos louros, sempre arrumados, e os olhos azuis raramente são reconhecidos pelos fãs de Tônia Carrero. Há dois anos, a atriz, que nasceu Maria Antonieta Portocarrero e completa 91 anos na próxima sexta, vive reclusa. A comemoração está marcada para domingo, com familiares e amigos próximos.

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"Ela está lúcida e bem-humorada, embora, por ter dificuldades de andar, quase não ande; e, por ter dificuldades de falar, quase não fale", relata Cecil Thiré, 71, filho único da atriz, a Eliane Trindade. Justificativa para o ator não permitir à repórter entrevistar a mãe nem fotografá-la.

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Os primeiros sintomas de hidrocefalia (excesso de líquido no cérebro) apareceram em 1999. Tônia se submeteu a cirurgia para colocar um dreno debaixo do couro cabeludo e voltou ao trabalho. Nove anos depois, uma nova intervenção não deu resultado.

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A última aparição pública foi em abril de 2011, para ver o filho no palco. "A imagem de Tônia hoje é a de uma pessoa que lembra a pessoa que ela foi. Sempre de uma beleza ímpar", diz Cecil. "Minha mãe foi referência de mulher bonita por cinco décadas."

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Em recente consulta ao oculista, foi alvo de curiosidade. "Ela me lembra muito a Tônia Carrero", comentou uma senhora, ao vê-la na sala de espera. "Todos dizem isso", desconversou Leonardo, 61, que acompanhava a tia.

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Em maio, ela foi internada com pneumonia. Sua fragilidade física quase foi flagrada por um fotógrafo que tentou se passar por amigo, mas acabou desmascarado.

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A saúde debilitada fez Tônia se despedir do público paulatinamente. Em 2007, subiu ao palco pela última vez, em "Um Barco para o Sonho", dirigida pelo neto Carlos Thiré. Foram mais de 50 peças em 64 anos de carreira. Sua estreia no teatro foi em 1949, ao lado de Paulo Autran em "Um Deus Dormiu Lá em Casa".

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Na TV, em 2004, fez o papel de si mesma na série "Um Só Coração" e sua derradeira novela, "Senhora do Destino". Quatro anos depois, faria sua última atuação no cinema em "Chega de Saudade", no papel de uma idosa com problemas de memória. Cecil nega que Tônia sofra de Alzheimer. Ele mora a dois quarteirões da mãe, a quem visita todos os dias. "É um privilégio conviver com ela."

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Mariinha vive cercada do afeto de quatro netos e cinco bisnetos. O xodó é o neto caçula, João, único que a chama de avó. Gosta de estar sempre arrumada: manicure e cabeleireiro a atendem em domicílio. Leva uma vida confortável, graças à venda do casarão no Jardim Botânico onde morou por 30 anos. Recebe pensão por ser filha de general, benefício vitalício que deixou de ser concedido às herdeiras de militares em 2000.

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"Ela não se queixa de nada", diz o sobrinho. A pedido da Folha, Leonardo pergunta à atriz como se sente prestes a completar 91 anos. Ele relata que, na primeira tentativa, a resposta foi o silêncio. Ele repetiu a pergunta. E Tônia: "Eles já sabem". "É como quem diz: Tudo já foi dito'", traduz o mensageiro.

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Na celebração de seus 90 anos, em 2012, a família reeditou o livro de memórias "O Monstro de Olhos Azuis", lançado em 1986. Em 154 páginas, Tônia confessa sonhos de criança (ser estrela de cinema), descobertas (do sexo) e inseguranças de adolescente criada sob a rigidez da mãe e o encantamento do pai.

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Desde cedo, a normalista "de fechar o comércio" encarou seus atributos físicos como trunfo. Já declarou: "A beleza não atrapalha ninguém. Isso não aconteceu com Ingrid Bergman nem com Greta Garbo, as mulheres mais lindas do mundo. Por que haveria de acontecer comigo?".

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Na Vera Cruz, companhia cinematográfica que a lançou nos anos 1950, ela encarnava o glamour das divas de Hollywood. Não por acaso, Tônia foi escolhida para abrir a série "Elas", apresentada por Luciana Vendramini. O canal pago TCM levará ao ar dez episódios dedicados às divas do cinema nacional, a partir de setembro. A série mostra o nascimento de uma grande atriz, revelada em 1952 no longa "Tico-Tico no Fubá".

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Laís Bodanzky, que a dirigiu em "Chega de Saudade", relata em depoimento à série como Tônia era reverenciada nos bastidores do longa sobre a velhice. Divertia-se ao ser aplaudida quando cruzava o set para ir ao banheiro. "Ela soube envelhecer de forma pulsante e alegre", afirma a diretora.

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A felicidade de fazer cinema não era a mesma na TV. Ganhou pecha de ranzinza e mimada em "Sassaricando" (1987), de Silvio de Abreu. "Tinha eu atrapalhando", suaviza Cecil, que a dirigia na novela e passou a função ao colega Miguel Falabella.

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Ao 80 anos, Tônia já se ressentia do peso da idade. "Olhar no espelho é uma tristeza", declarou à revista "Época" em 2002. Falou também dos amores. "Posso dizer que tive um caso com Rubem Braga [escritor] e outro com Paulo Autran enquanto era casada com Carlos Thiré [primeiro marido e pai de Cecil]. E sei que agora isso não abala em nada minha respeitabilidade." Sempre negou ter sido amante de Juscelino Kubitschek. "Quem me dera!"

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A produtora cultural Lulu Librandi, 72, foi testemunha das transgressões ao longo de décadas de amizade. "Tônia nunca escondeu os amantes e as plásticas. Adorava cantar e sair pra beber." Traiu e foi traída. Tomou Adolfo Celi, seu segundo marido, de Cacilda Becker. O diretor italiano se apaixonou por outra atriz e a deixou. E ainda pediu as joias da família dele, presenteadas a ela, de volta.

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Autran foi paixão fulminante. "O melhor amante de todos", confessou à amiga Lulu. Cecil brinca e diz que foi o último a saber. O caso com Autran foi revelado a ele pelo próprio, anos depois.

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Fez três plásticas com Ivo Pitanguy. E duas com outra cirurgiã, que indicou depois ao filho. "Seu lema era pequenos cortes, grandes transformações", diz Cecil.

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Em seu exílio domiciliar, Tônia gosta de ver televisão e filmes na companhia de Leonardo. "Não tolera que eu fale mal da interpretação de algum ator", diz o sobrinho.

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Virou matriarca de uma família de artistas: três netos e dois bisnetos são atores. Alguns deles estão agora na TV, ao alcance de seu controle remoto. Na segunda geração, Miguel Thiré, 32, protagoniza a série "Copa Hotel", do GNT; e Luíza Thiré, 39, está na novela "Sangue Bom", da Globo. O bisneto Vítor Thiré, 18, filho de Luíza, é o vilão de "Malhação". Todos herdaram do "monstro" os olhos azuis.

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"Minha mãe está lúcida e bem-humorada, embora, por ter dificuldades de andar, quase não ande; e, por ter dificuldades de falar, quase não fale. Temos o privilégio de conviver com ela diariamente"

CECIL THIRÉ
ator e diretor, filho de Tônia Carrero


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