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Crítica Romance
'Sanshiro' encarna homem em conflito no Japão do século 19
Romance de formação de Natsume Soseki retrata transformações da Era Meiji
O personagem transita entre universos distintos: tradição e modernidade, Japão e ocidente
O leitor que deseja uma história com grandes peripécias se decepcionará com "Sanshiro". O romance de Natsume Soseki (1867-1916), publicado no Japão em 1908, apresenta um enredo singelo e, ao lê-lo, temos a impressão de que nos contam a história de um tio ou de um amigo da família, embora seja ambientada na cidade de Tóquio na virada do século 19.
No penúltimo capítulo, quando os personagens assistem a uma apresentação de "Hamlet", lembramos o quanto é contrastante a intensidade de uma obra de Shakespeare e a sutileza de "Sanshiro".
Há delicadeza nos diálogos, em que o silêncio é recorrente, e contenção na expressão de sentimentos. E o que não é dito caracteriza a personagem mais interessante do romance: Mineko.
Enquanto a sua colega Yoshiko expressa o que pensa, ela, apesar de também ser forte e moderna, silencia seus pensamentos, é dúbia --lembra Capitu em algumas passagens-- e reservada, e Sanshiro, enamorado, movimenta-se em direção a ela em terreno movediço.
Em um determinado momento, o protagonista se pergunta --e também o leitor-- se ela não estará zombando dele. Afinal, é um caipira, inábil com as questões de cidade grande e as mulheres.
JUVENTUDE
Sanshiro é um rapaz de 23 anos que se transfere de Kumamoto para Tóquio para estudar literatura na universidade e se sente um estrangeiro no meio acadêmico.
A caminho da capital, encontra um homem que lhe adverte sobre o perigo de se comer um fruto envenenado, metáfora para os riscos que existem no mundo, como nos lembra Riobaldo em "Grande Sertão: Veredas".
Em Tóquio, torna-se amigo de dois rapazes que lhe fazem contraponto: Yojiro, que é expansivo, divertido, irresponsável, e Nanomiya, um cientista, que é pragmático e racional.
O romance também revela uma metrópole modernizada pelo Período Meiji, cidade que vai se descobrindo aos olhos de Sanshiro e do leitor, com mulheres independentes e uma universidade tomada por ideais ocidentais.
TRADIÇÃO
Em discurso numa reunião de jovens acadêmicos, um estudante proclama: "Nós somos jovens que não podemos suportar a pressão do Japão de ontem. Ao mesmo tempo, somos jovens que não podemos suportar a nova pressão do Ocidente".
"Sanshiro" é um romance de formação sem amadurecimento, como lembra Haruki Murakami. No processo, o personagem transita entre universos distintos: cidade do interior e metrópole, tradição e modernidade, Japão e Ocidente. E o final da história encontra o protagonista ainda confuso, sem ter consolidado a sua formação cultural ou emocional. É a personificação do homem japonês em conflito na Era Meiji.
SANSHIRO
AUTOR Natsume Soseki
TRADUÇÃO Fernando Garcia
EDITORA Estação Liberdade
QUANTO R$ 49 (272 págs.)
AVALIAÇÃO bom