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Diretor Cláudio Assis experimenta doçura em filme sobre esgoto
No agreste pernambucano, cineasta de 'Amarelo Manga' e 'Baixio das Bestas' roda história sobre formação de jovem
'Big Jato' tem Matheus Nachtergaele vivendo um caminhoneiro que limpa fossas e um radialista malandro
"Quantos filmes cê já fez?", pergunta o menino de dez anos a Matheus Nachtergaele. "Acho que uns 30", diz o ator com bigode postiço, sentado à sombra, já incorporando sotaque pernambucano. "E novela?", inquire o garoto.
Dali a pouco, eles estão na boleia de um caminhão verde com a inscrição "Quem não reage, rasteja" colada ao para-choque. Enquanto esperam "ação!", passa uma carroça puxada por bois pela estrada que corta o vale do Catimbau, lugar com um quê de místico no agreste de Pernambuco.
É a segunda semana de filmagem de "Big Jato", quarto longa de ficção de Cláudio Assis ("Febre do Rato"), que sai em 2015. A história é inspirada no romance homônimo e semiautobiográfico de Xico Sá, colunista da Folha.
Na trama, o Big Jato do título é o caminhão que limpa fossas de casas sem encanamento no sul do Ceará. Nachtergaele vive o motorista do caminhão, sujeito sisudo que viaja com o filho, alter-ego do escritor (vivido na adolescência por Rafael Nicácio e, na infância, por Francisco de Assis Moraes, filho do diretor).
"Ele veio tirando onda", conta Assis sobre como o garoto ganhou o papel. "Disse: meu nome é Francisco, como o personagem, e eu sou filho do diretor do filme."
Além de viver o pai do protagonista, Matheus Nachtergaele também faz Nelson, o tio radialista e malandro.
"Esse garoto se forma pelo contato com dois homens opostos ", afirma o ator à Folha. "Um é livre e sem responsabilidades. O outro é grave e acredita na utilidade do trabalho que faz, que é limpar a merda do mundo."
O músico Jards Macalé faz o Príncipe Ribamar, figura mística que conversa com o protagonista, Xico. "Escolhi o Jards porque ele é o príncipe da música", afirma Assis. Sentado ao seu lado, Macalé responde: "Aceitei de prima. O personagem é o louco da cidade e eu sou o louco do Rio".
PARA MENORES
Nachtergaele faz sua quarta parceria com o diretor Cláudio Assis. "Ele filma um Brasil que me interessa: não é ninguém de fora, registra o que conhece", diz. "E é um cineasta raivoso, indignado."
Assis já levou às telas um necrófilo que vivia num hotel na periferia do Recife ("Amarelo Manga") e um avô que prostituía a neta adolescente ("Baixio das Bestas"). Em "Big Jato", ele está "mais doce".
"O filme tem a pureza do protagonista, que é adolescente. Mas num mundo à la Cláudio Assis: um Nordeste sem esgoto", diz Nachtergaele.
Segundo Assis, "Big Jato" será seu "primeiro filme para menores de 18 anos". "Tem sensualidade, mas nada de mostrar sexo explícito, como nos outros. Não é infantil, mas é sobre infância", diz o diretor nascido em Caruaru (PE).
A guinada, afirma Assis, "não foi coisa arranjada". "Eu já queria filmar esse livro antes mesmo de ser publicado." Tanto é que seu próximo projeto, "Piedade", que ele começa a rodar neste ano, volta a tratar de violência.
Sobre a fama de diretor de filmes violentos, ele rebate: "Violenta é a TV mostrando caso policial para criança de manhã. Faço filmes poéticos".
Em 2013, "Big Jato" foi contemplado por um edital de baixo orçamento do Ministério da Cultura e recebeu R$ 1,2 milhão. Assis também ganhou R$ 467 mil do programa de fomento pernambucano, mas a pasta federal só o autorizava a receber outros R$ 300 mil.
À época, o diretor anunciou que desistiria do dinheiro do ministério. Voltou atrás. "Vou usar os dois. Se quiserem me prender, me prendam. Mudei de ideia. Meu filho, sou contraditório."