Lista de textos do jornal de hoje Navegue por editoria
Imaginação
PROSA, POESIA E TRADUÇÃO
Dois poemas para ler no bonde
OLIVERIO GIRONDO TRADUÇÃO FABRÍCIO CORSALETTI E SAMUEL TITAN JR.CROQUI NA AREIA
A manhã sai a passeio na praia polvilhada de sol.
Braços.
Pernas amputadas.
Corpos que se reintegram.
Cabeças flutuantes de borracha.
Ao tornear os corpos das banhistas, as ondas espalham seus cavacos sobre a
serragem da praia.
Tudo é ouro e azul!
A sombra dos guarda‑sóis. Os olhos das moças que se injetam romances e
horizontes. Minha alegria de sapatos de borracha que me faz pular na areia.
Por oitenta centavos, os fotógrafos vendem os corpos das mulheres que se
banham.
Há quiosques que exploram a dramaticidade da arrebentação. Criadas chocas.
Sifões irascíveis, com extrato de mar. Rochas com peitos algosos de marinheiro e
corações pintados de esgrimista. Bandos de gaivotas, que fingem o voo
destroçado de um pedaço branco de papel.
E diante de tudo está o mar!
O mar! ritmo de divagações. O mar! Com sua baba e sua epilepsia.
O mar! até gritar
BASTA!
como no circo.
Mar del Plata, outubro, 1920
RIO DE JANEIRO
A cidade imita em papelão uma cidade de pórfiro.
Caravanas de montanhas acampam nos arredores.
O Pão de Açúcar basta para adoçar a baía inteira O Pão de Açúcar e seu
teleférico que há de perder o equilíbrio por não usar uma sombrinha de papel.
De cara maquiada, os edifícios trepam uns por cima dos outros e, quando chegam
ao alto, viram o lombo para que as palmeiras lhes deem com o espanador na laje.
O sol amolece o asfalto e o traseiro das mulheres, amadurece as lâmpadas
elétricas, sofre um crepúsculo nos botões de opala que os homens usam até para
fechar a braguilha.
Sete vezes ao dia regam‑se as ruas com água de jasmim!
Há velhas árvores pederastas, desabrochadas em rosas‑chá, e velhas árvores
que engolem as crianças que jogam bola no passeio público. Frutas que, ao cair,
fazem um buraco enorme na calçada; negros que têm cútis de tabaco, a palma
das mãos feita de coral e sorrisos sem‑vergonha de melancia.
Por apenas quatrocentos mil‑réis se toma um café, que perfuma todo um bairro
da cidade durante dez minutos.
Rio de Janeiro, novembro, 1920