São Paulo, domingo, 06 de outubro de 2002

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Aluna de Stanislávski, Stella Adler usa peças de Ibsen , Strindberg e Tchecov para abordar a interpretação

Novos insights do método

Marcio Aurelio
especial para a Folha

Incontestavelmente a obra "Stella Adler sobre Ibsen, Strindberg e Chekhov" passa a ser referência obrigatória para todos aqueles que, direta ou indiretamente, estão interessados sobretudo no teatro moderno e no contemporâneo. Baseada em apontamentos de palestras realizadas por Adler (1902-92) nos anos 70 e 80, foi organizada e prefaciada por Barry Paris, que, desde as primeiras linhas, já revela a fibra desta mulher de importante estirpe teatral, estimula a curiosidade sobre sua personalidade e suas histórias, remetendo à leitura da obra. Fica-se contagiado por sua objetividade quando ela mesma responde à pergunta: "Mas para quem, exatamente, seria o livro endereçado? Para atores. Para diretores. Para outras pessoas. Para leitores. Um número impressionante de gente de teatro quer conhecer e entender, você não acha?". Não resta dúvida, é com o teatro que vamos nos deliciar nas suas 378 páginas. Para os que não a conhecem, logo se vê que se trata de rara personalidade, seja pelas realizações artísticas e pedagógicas, seja pelo embate, argumentação e questionamento das propostas de Lee Strasberg sobre o chamado "Método". É antológica esta rivalidade. A audácia leva-a a Paris, onde irá encontrar-se com Constantin Stanislávski (1863-1938), de quem receberá aulas "pessoalmente".

Compromisso moral
Desse entusiástico encontro brotará a vocação para ensinar, como o fará até o fim da vida. Seu compromisso em divulgar Stanislávski é moral. Aprendera muito bem com a lição e não se intimida em dizer várias vezes aos alunos e ouvintes -e, no caso, leitores- que vai revelar algum aspecto interessante de como o mestre do Teatro de Arte [de Moscou, criado em 1898" agia ou fazia ou pensava sobre as mais diferentes questões da cena. E o faz com propriedade. Chega a proporcionar aos interessados no assunto momentos de grande prazer na leitura e estimula importantes reflexões sobre a construção da realidade da cena. É importante saber que ela chega à porta do teatro contemporâneo e esclarece a diferença deste em relação ao teatro moderno, do qual, sem dúvida, Stanislávski é o umbral. Durante toda a obra as referências ao grande criador e pedagogo, assim como ao seu Teatro de Arte, aparecem em profusão. São apontamentos importantíssimos e altamente esclarecedores de seu trabalho. Creio que muito dos equívocos que por aqui ainda encontramos em relação às idéias sobre o "Método" podem ser revistos a partir da leitura desta obra, complementando o que já era conhecido de seu trabalho prático por meio de outros livros editados no Brasil. Mas agora, com Stella Adler, sua prática é revelada de forma contundente a partir da análise de obras de três grandes autores. O foco principal está na maneira como reflete sobre obras de Ibsen [1828-1906, dramaturgo norueguês], Strindberg [1849-1912, dramaturgo sueco] e Tchecov [1860-1904, dramaturgo russo], oferecendo material fundamental e circunstanciado sobre análise dos textos dramáticos. A maneira como trabalha com os textos e contextos servirá de paradigma para curiosos e estudiosos do teatro em experiências com outras obras e outros autores. É uma forma de pensar e concretizar o teatro.

Sustentação mínima
Não hesita em lançar mão da experiência pessoal, expondo-se a si própria, quando necessário, de forma a proporcionar aos alunos visão esclarecedora do universo tchecoviano e de suas diferenças e aproximações com o de Tennessee Williams (1911-83). Fica evidente, pelos exemplos, que o resultado das experiências se dará em benefício da cena. O discurso cênico será automaticamente transformado. Os criadores não precisarão usar de subterfúgios, visto que a solidez do texto estruturará conceitualmente e de forma consistente a poética da cena. Estimula a descoberta do eixo da obra e de sua sustentação mítica.
Para tanto, tomemos como referência os subtítulos que, a partir da análise, acrescenta às peças de Ibsen, "Casa de Boneca - Atrás das Máscaras Conjugais" e "O Inimigo do Povo - História de Dois Irmãos", que, como ela afirma, estão construídas sobre o sonho ideal da classe média. Esclarece e reforça que a classe média de que Ibsen está falando não é a nossa. É muito diferente e tem como chave e modelo o sonho de felicidade e o conformismo social.
Strindberg e Tchecov interpretados por ela são como refinados e saborosos pratos para interessados no prazer da arte teatral. Adler, conhecedora e experiente, como que sublinhando com lápis vermelho, a toda hora nos diz: "O ator precisa ter olhos para ver o mundo".
Para representar os novos personagens construídos por Ibsen, Strindberg e Tchecov é preciso um novo tipo de ator, diz ela, e só Stanislávski possibilitou esse novo ator. E, de tempos em tempos, adverte: "Atores, cuidado!". Também a cena contemporânea pede novos atores. Para compreender melhor o que tudo isso significa, é o que, entre outros, faz no "Prêt-à-Porter" Antunes Filho, que, parafraseando Goethe, "...forma homens à sua imagem". Confira e volte à leitura da senhora Adler. Sistematicamente.


Marcio Aurelio é diretor teatral, professor na Escola de Comunicação e Artes da USP e no departamento de teatro da Universidade Estadual de Campinas. Dirige o espetáculo "Pólvora e Poesia", em cartaz no Tusp, em São Paulo.


Stella Adler sobre Ibsen, Strindberg e Chekhov
378 págs., R$ 49,00 Barry Paris (org.). Tradução de Sonia Coutinho. Ed. Bertrand Brasil (r. Argentina, 171, 1º andar, CEP 20921-380, RJ, tel. 0/xx/21/ 2585-2070).



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