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Aluna de Stanislávski, Stella Adler usa peças de Ibsen , Strindberg e Tchecov para abordar a interpretação
Novos insights do método
Marcio Aurelio
especial para a Folha
Incontestavelmente a obra "Stella
Adler sobre Ibsen, Strindberg e Chekhov" passa a ser referência obrigatória para todos aqueles que, direta ou
indiretamente, estão interessados sobretudo no teatro moderno e no contemporâneo. Baseada em apontamentos de palestras realizadas por Adler (1902-92)
nos anos 70 e 80, foi organizada e prefaciada por Barry Paris, que, desde as primeiras linhas, já revela a fibra desta mulher de importante estirpe teatral, estimula a curiosidade sobre sua personalidade e suas histórias, remetendo à leitura
da obra.
Fica-se contagiado por sua objetividade quando ela mesma responde à pergunta: "Mas para quem, exatamente, seria o livro endereçado? Para atores. Para
diretores. Para outras pessoas. Para leitores. Um número impressionante de gente de teatro quer conhecer e entender,
você não acha?". Não resta dúvida, é com
o teatro que vamos nos deliciar nas suas
378 páginas.
Para os que não a conhecem, logo se vê
que se trata de rara personalidade, seja
pelas realizações artísticas e pedagógicas,
seja pelo embate, argumentação e questionamento das propostas de Lee Strasberg sobre o chamado "Método". É antológica esta rivalidade. A audácia leva-a a
Paris, onde irá encontrar-se com Constantin Stanislávski (1863-1938), de quem
receberá aulas "pessoalmente".
Compromisso moral
Desse entusiástico encontro brotará a vocação para
ensinar, como o fará até o fim da vida.
Seu compromisso em divulgar Stanislávski é moral. Aprendera muito bem
com a lição e não se intimida em dizer
várias vezes aos alunos e ouvintes -e,
no caso, leitores- que vai revelar algum
aspecto interessante de como o mestre
do Teatro de Arte [de Moscou, criado
em 1898" agia ou fazia ou pensava sobre
as mais diferentes questões da cena. E o
faz com propriedade. Chega a proporcionar aos interessados no assunto momentos de grande prazer na leitura e estimula importantes reflexões sobre a
construção da realidade da cena.
É importante saber que ela chega à porta do teatro contemporâneo e esclarece a
diferença deste em relação ao teatro moderno, do qual, sem dúvida, Stanislávski
é o umbral. Durante toda a obra as referências ao grande criador e pedagogo,
assim como ao seu Teatro de Arte, aparecem em profusão. São apontamentos
importantíssimos e altamente esclarecedores de seu trabalho.
Creio que muito dos equívocos que por
aqui ainda encontramos em relação às
idéias sobre o "Método" podem ser revistos a partir da leitura desta obra, complementando o que já era conhecido de
seu trabalho prático por meio de outros
livros editados no Brasil. Mas agora, com
Stella Adler, sua prática é revelada de forma contundente a partir da análise de
obras de três grandes autores.
O foco principal está na maneira como
reflete sobre obras de Ibsen [1828-1906,
dramaturgo norueguês], Strindberg
[1849-1912, dramaturgo sueco] e Tchecov [1860-1904, dramaturgo russo], oferecendo material fundamental e circunstanciado sobre análise dos textos dramáticos. A maneira como trabalha com os textos e contextos servirá de paradigma para curiosos e estudiosos do teatro em experiências com outras obras e outros autores. É uma forma de pensar e concretizar o teatro.
Sustentação mínima
Não hesita em lançar mão da experiência pessoal, expondo-se a si própria, quando necessário, de forma a proporcionar aos alunos visão esclarecedora do universo
tchecoviano e de suas diferenças e aproximações com o de Tennessee Williams
(1911-83). Fica evidente, pelos exemplos, que o resultado das experiências se dará em benefício da cena. O discurso cênico será automaticamente transformado. Os criadores não precisarão usar de subterfúgios, visto que a solidez do texto estruturará conceitualmente e de forma consistente a poética da cena. Estimula a
descoberta do eixo da obra e de sua sustentação mítica.
Para tanto, tomemos como referência os subtítulos que, a partir da análise,
acrescenta às peças de Ibsen, "Casa de Boneca - Atrás das Máscaras Conjugais"
e "O Inimigo do Povo - História de Dois Irmãos", que, como ela afirma, estão
construídas sobre o sonho ideal da classe média. Esclarece e reforça que a classe média de que Ibsen está falando não é a nossa. É muito diferente e tem como chave e modelo o sonho de felicidade e o conformismo social.
Strindberg e Tchecov interpretados por ela são como refinados e saborosos
pratos para interessados no prazer da arte teatral. Adler, conhecedora e experiente, como que sublinhando com lápis vermelho, a toda hora nos diz: "O ator precisa ter olhos para ver o mundo".
Para representar os novos personagens
construídos por Ibsen, Strindberg e
Tchecov é preciso um novo tipo de ator,
diz ela, e só Stanislávski possibilitou esse
novo ator. E, de tempos em tempos, adverte: "Atores, cuidado!". Também a cena contemporânea pede novos atores.
Para compreender melhor o que tudo isso significa, é o que, entre outros, faz no
"Prêt-à-Porter" Antunes Filho, que, parafraseando Goethe, "...forma homens à
sua imagem". Confira e volte à leitura da
senhora Adler. Sistematicamente.
Marcio Aurelio é diretor teatral, professor na Escola de Comunicação e Artes da USP e no departamento de teatro da Universidade Estadual de
Campinas. Dirige o espetáculo "Pólvora e Poesia", em cartaz no Tusp, em São Paulo.
Stella Adler sobre Ibsen,
Strindberg e Chekhov
378 págs., R$ 49,00 Barry Paris (org.). Tradução de Sonia Coutinho. Ed.
Bertrand Brasil (r. Argentina, 171, 1º andar, CEP 20921-380, RJ, tel. 0/xx/21/ 2585-2070).
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