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+ sociedade
O filósofo italiano destaca o papel decisivo da interpretação e defende
que a política precisa recuperar a comunicação direta, sem a mediação da TV
O adeus à verdade dos fatos
José Andrés Rojo
do "El País"
Gianni Vattimo (Turim, 1936) reconhece que
passou por todas as militâncias a que sua geração foi chamada durante a segunda metade do
século passado. Entrou no mundo da política
a partir de suas convicções católicas e foi assumindo posições cada vez mais à esquerda, cada vez mais contestadoras. Depois fez o caminho de volta, com uma reaproximação e uma releitura do cristianismo.
Um de seus trabalhos atuais é o de eurodeputado pela
Esquerda Republicana da Itália, mas continua dedicado
sobretudo a seus livros e suas conferências e ao ofício de
filosofar. Um ofício complicado nestes tempos em que
os grandes sistemas foram por água abaixo, mas seu
ponto de partida foi justamente esse: reivindicar o pensamento fraco, uma atitude filosófica atenta aos diversos interesses em jogo e às variadíssimas interpretações
das coisas, para fugir dos conceitos unívocos que pretendem dar conta de tudo.
"Não existe uma única maneira de descrever os fatos objetivamente", comenta
Vattimo, que também diz que "a verdade
das coisas depende do lugar que se ocupa
na interpretação dos eventos".
Autor de livros como "Para Além do
Sujeito" [Tempo Brasileiro] e "O Fim da
Modernidade" [Martins Fontes], Vattimo considera que, ao rebaixar as pretensões dos discursos que acreditam numa
verdade absoluta, o que faz é destacar a importância da
democracia, um sistema político baseado no confronto
de diversas alternativas, cada uma delas com sua verdade correspondente.
As mentiras dos políticos e a verdade da filosofia. Os primeiros mentem sobre as armas de destruição em massa,
que deveriam ter sido encontradas no Iraque, o pensamento filosófico diz "adeus à verdade", como o senhor
diz. Não é um panorama muito animador.
Fiquei escandalizado com todas essas mentiras que
ouvimos sobre as armas de destruição em massa,
mas elas também me fizeram refletir sobre a questão
da verdade. Num dado momento, percebi que podia
estar sendo hipócrita, que só me escandalizava porque compartilhava o repúdio da guerra com uma
grande maioria. Talvez minha atitude fosse diferente
se essas mentiras tivessem contribuído com uma
boa causa. Distribuir medicamentos contra a Aids
na África, por exemplo.
Quer dizer, então, que, dependendo dos fins, algumas
mentiras são piores que outras.
O que quero dizer é que não existe uma única maneira de descrever os fatos objetivamente e que, para
aproximar-se deles, pode-se fazer uso de muitos
pontos de vista.
Parece que o sr. quer jogar a toalha.
Ao contrário. Apenas quero explicar que não existe
uma verdade objetiva que reflita a realidade em seu
todo. George W. Bush e Tony Blair não nos disseram
toda a verdade; a que nos contaram é a deles. A interpretação deles. A verdade tem mais a ver com o lugar
que se ocupa na trama social do que com uma descrição exata dos fatos.
Então a verdade que se impõe é a do mais forte.
Nos sistemas totalitários, sem dúvida. Mas nas democracias é diferente. Nesse sentido, não existe uma
verdade inquestionável, objetiva. Por exemplo, o argumento que proclama a economia de mercado como a melhor, a única verdadeira, já não tem validade. Não passa de uma opção entre tantas e, como todas, discutível. Dizemos que uma coisa é verdadeira
porque partimos de premissas que nos levam a defender que isso é assim. É o que Heidegger chamava
de "abertura" ao mundo, o lugar de onde se vêem as
coisas e que condiciona as diversas interpretações.
Se a verdade não existe de maneira objetiva, ela depende de quem é mais convincente. Nos tempos que correm, quem tem
mais capacidade de convencimento é,
sem dúvida, quem mais dispõe de meios
de comunicação. É o caso de Silvio Berlusconi [premiê italiano].
Churchill dizia que a democracia é o
menos ruim dos sistemas políticos. O
único remédio, portanto, é lutar democraticamente
para melhorar a democracia. Na Itália, lutou-se para
limitar a propriedade das empresas de comunicação
por meio da lei de conflito de interesses. Mas a iniciativa fracassou. Agora, será que Berlusconi conseguiu
sua maioria graças à capacidade de controlar a mídia? Não acredito. Vivemos num momento em que
ninguém mais é proletário, todos somos de classe
média. E não há capacidade de mobilização, apenas
conformismo.
Como o sr. vê a situação atual, com o mundo atolado no
pós-guerra do Iraque?
A idéia de impor a democracia com a linguagem das
bombas é um sonho autoritário que só foi possível
realizar num mundo em que impera uma única superpotência. Pode parecer paradoxal, mas durante a
Guerra Fria vivíamos num cenário muito mais seguro. O custo disso era muito alto, com a falta de liberdade nas sociedades comunistas. A chegada da democracia a esses países, porém, não significou grande coisa. Deixaram de viver sob um regime autoritário para depender de um monte de máfias. Hoje não
há tantas prisões, mas há mais fome. Com uma única superpotência, basta contar com uma polícia poderosa para resolver os problemas.
Quais seriam, então, os desafios mais relevantes num futuro imediato?
O único caminho sensato é desenvolver um mundo
multipolar, com vários poderes fortes que se equilibrem mutuamente. Um mundo em que não exista
apenas o domínio absoluto dos EUA. Europa e China, por exemplo. Há, além disso, outro elemento que
compromete a paz internacional -o terrorismo.
Quando há apenas um centro de poder, o único modo de fazer frente a seus abusos é a luta niilista dos
camicases. Enquanto houver uma única superpotência, a ordem que se impõe é uma ordem policial.
Como combater um regime muito forte renunciando à
violência?
É preciso buscar novas fórmulas para contrapor-se
aos poderes atuais. A sociedade, além disso, está desmobilizada. O próprio instrumento da greve já é um
anacronismo. Aqui voltamos àquilo que dissemos
há pouco, sobre o conformismo de uma ampla classe média, que não olha além de seus interesses mais
imediatos. E ao domínio da televisão. Precisamos ter
mais imaginação.
Imaginação e meios. Sem que se saiba o que acontece,
não se age.
Antes a política era feita de casa em casa, distribuindo-se panfletos, e não nos espaços privilegiados da
TV. Há uma anedota de um livro de ficção científica,
acho que "A Guerra dos Mundos" [de H.G. Wells],
que é muito pertinente: no fim, levava a melhor
quem ainda sabia fazer contas de cabeça. Quem não
necessitava de nenhum artefato. No momento político atual, é imprescindível recuperar a comunicação
direta, pois os meios estão corrompidos. É preciso ir
de casa em casa e, se possível, com a imaginação, o
entusiasmo e a liberdade dos velhos anarquistas.
Tradução de Sergio Molina.
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