São Paulo, quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

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MARIO MESQUITA

Testando as crenças


A convicção do governo sobre o regime de metas e a política monetária pode ser testada em breve


O PRESIDENTE DO banco central chileno, que não é tido no meio como sendo especialmente conservador, declarou na semana passada que "controlar a inflação é a melhor contribuição que a política monetária pode dar para assegurar o progresso econômico sustentado".
Entender e aceitar esse conceito é essencial para crer no regime de metas para a inflação, um dos pilares da política econômica brasileira, que o governo afirma enfaticamente querer preservar.
A crença do governo nesse conceito foi testada de tempos em tempos desde a implantação do regime de metas em 1999 -pela última ocasião, severamente, no final de 2008, quando a economia foi atingida pela crise internacional.
As convicções da nova administração acerca do regime de metas e do papel da política monetária podem vir a ser testadas em um futuro não muito distante, diante de uma conjuntura econômica que pode se mostrar sensivelmente adversa, com uma combinação de inflação alta e atividade econômica fraca.
Recapitulando: nos últimos meses, a política monetária retomou o processo de ajuste interrompido em meados de 2010, acompanhada das chamadas medidas macroprudenciais, e a política fiscal adquiriu um aspecto menos expansionista -embora a política de crédito do setor público continue atuando na mesma direção.
Esse conjunto de iniciativas visa desaquecer a economia, de forma a, em um primeiro momento, conter as pressões inflacionárias e, posteriormente, trazer a inflação de volta para a meta de 4,5% -o que, ainda que as autoridades não tenham sido explícitas a esse respeito, deve ocorrer apenas em 2012.
Sabemos que o crescimento da economia foi exuberante em 2010, mas, a julgar por indicadores de alta frequência, como o índice de atividade econômica do Banco Central (o chamado IBC-Br), em ritmo sensivelmente mais fraco em seu final do que em seu início.
Esse indicador, que agrega informações de diversos setores da economia, sugere que o processo de desaquecimento já estivesse em curso.
Ainda que a intensidade do desaquecimento necessária para promover a convergência da inflação para a meta permaneça uma questão em aberto, cabe reconhecer que, quanto maior for a deterioração das expectativas inflacionárias, mais intensa terá de ser a desaceleração e mais custoso será trazer a inflação de volta para a meta -embora a alternativa, tentar conviver com taxas de inflação permanentemente mais altas, seja claramente indesejável. Para complicar o cenário, a inflação corrente, medida em 12 meses, seguirá aumentando por vários meses, podendo até romper o teto do intervalo de tolerância do regime de metas por certo tempo.
Isso pode influenciar as expectativas, que também tendem a sofrer o efeito da perspectiva de aumento do salário mínimo superior a 12% no início de 2012, percentual que o elevaria para mais de R$ 610.
Seria especialmente oportuno, portanto, se todas as autoridades responsáveis abandonassem o discurso ambíguo e as tentativas de relativizar o problema inflacionário, aceitando que a política econômica deve, neste momento, adotar uma atitude contracionista, que deve levar a um crescimento mais próximo de 3% do que de 5%, de forma a ajudar a conter a piora das expectativas de inflação.
O risco é que um momento de desaquecimento mais pronunciado leve o governo a fraquejar em sua convicção e reverter parte das políticas de reequilíbrio macroeconômico antes que o sucesso do tratamento, isto é, a retomada do controle sobre o processo inflacionário, esteja assegurado.
Esse risco existe, a despeito das evidências de que em nossa experiência econômica surtos de inflação tendem a ser mais persistentes que momentos de estagnação -tendência que deve estar se acentuando, visto que o grau de indexação da economia parece ter aumentado.
Os médicos costumam falar que interromper um tratamento antes da hora pode ter efeitos muito perniciosos, em parte porque a doença pode se tornar mais resistente à terapia, de forma que garantir uma recuperação passa a exigir doses mais intensas de medicamentos.
Essa é uma lição que vale também para a política econômica.

MARIO MESQUITA, 44, doutor em economia pela Universidade de Oxford, escreve quinzenalmente, às quartas-feiras, neste espaço.


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