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Dez anos após ataque, ONU patina no Iraque

Violência trava trabalho da entidade no país uma década depois do atentado que matou o brasileiro Sergio Vieira de Mello

Problema mais urgente hoje é a tensão sectária, que voltou a disparar com a retirada americana em 2011

SAMY ADGHIRNI DE TEERÃ

Um dos mais brilhantes diplomatas da ONU, o carioca Sergio Vieira de Mello desembarcou em Bagdá em junho de 2003 com a missão de conduzir operações no Iraque recém-ocupado por EUA e aliados.

Morreu na tarde de 19 de agosto do mesmo ano, num atentado contra seu escritório que evidenciou a fragilidade, notável até hoje, dos esforços da ONU no país.

Dez anos após o ataque, violência e rivalidades políticas ainda emperram tentativas de amparar os iraquianos, segundo disseram à Folha diplomatas e analistas.

O problema mais urgente é a tensão sectária entre diferentes ramos do islamismo, que voltou a disparar com a retirada americana, no fim de 2011.

Os ataques se intensificaram nas últimas semanas, com mais de mil mortes registradas em julho, o mês mais sangrento em cinco anos.

As ações, que priorizam alvos ligados ao governo dominado por xiitas e civis seguidores do xiismo, são atribuídas a insurgentes sunitas, alguns ligados à Al Qaeda.

"Nosso maior desafio é a segurança", diz Claire Bourgeois, chefe local da agência da ONU para refugiados (Acnur), responsável pelos até agora 160 mil sírios que fugiram da guerra em seu país para se instalarem no Iraque.

"A violência restringe nosso movimento e afeta o atendimento aos refugiados".

Representante do secretário-geral da ONU no Iraque, Gyorgy Bsztin diz que a tensão põe em xeque avanços costurados com autoridades iraquianas em matéria de desenvolvimento e consolidação democrática.

Ele cobra união urgente das facções em busca de uma solução negociada.

"Se os líderes políticos não encararem as raízes da violência, corre-se o risco de que o país caia novamente num caos que paralisará as instituições e a economia."

Bsztin refere-se à onda de violência dos primeiros anos após a operação americana contra o ditador Saddam Hussein, derrubado sob o pretexto, que se revelou falso, de que desenvolvia armas de destruição em massa para atacar o Ocidente.

Apesar da adversidade, Bsztin garante que os programas da ONU continuam "melhorando a qualidade de vida dos iraquianos."

Menos entusiasta, o ex-coordenador humanitário da ONU nos anos 90, Hans-Christof von Sponek, lamenta que a organização não tenha prerrogativas claramente definidas nem recursos suficientes. "Ela é capaz de conseguir muita coisa, mas sua ação até agora é irrisória".

A ONU também esbarra na sua impopularidade junto a boa parte dos iraquianos.

"Ela impôs sanções que afetaram terrivelmente a população nos anos 90 e, em 2003, foi incapaz de impedir a invasão", diz Von Sponek.

O especialista em direitos humanos Richard Falk, da Universidade Princeton, diz que existe uma crise de legitimidade da ONU, principalmente sob a perspectiva dos sunitas, ramo ao qual pertencia Saddam.

"Na medida em que o atual governo é visto pela oposição sunita como remanescente da ação americana, é impossível a ONU envolver-se com ele sem ser vista como hostil."

EFEITO COLATERAL

Falk aponta o ataque de 2003 como reflexo dessa crise de legitimidade.

"A morte do Sergio foi um trágico e esclarecedor efeito colateral do erro da ONU de achar que poderia atuar no Iraque pós-invasão sem ser considerada parte da ocupação", diz o especialista.

Vieira de Mello estava encarregado de reavaliar programas vigentes à luz do novo contexto e defender direitos da população do país ocupado, segundo o cientista político Ghassan Salamé, que assessorou o brasileiro até sua morte.

"A resolução 1483 do Conselho de Segurança estipulava que a ONU deveria ter papel vital no Iraque ocupado, mas, na prática, não foi assim", afirma.

Segundo Salamé, Vieira de Mello estava cada vez mais irritado com os abusos dos americanos contra a população e membros do regime deposto.

Apesar disso, Salamé diz que o brasileiro havia sido favorável à invasão --algo que Vieira de Mello negou em entrevista à Folha na semana anterior à operação.

"Sergio e eu nos tornamos bons amigos, mas, nesse aspecto, divergíamos. Numa ONU rachada, ele era parte dos que achavam válido intervir por razões humanitárias. Eu era totalmente contra."


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