Minha História - Bashir Zakariyau, 42
Relato de um náufrago
Nigeriano sobreviveu a desastre em navio que faz a rota entre África e Europa, mas perdeu seus 2 filhos
RESUMO - O nigeriano Bashir Zakariyau viveu dez anos na Líbia, trabalhando como soldador. Em maio de 2011, tentou chegar à ilha italiana de Lampedusa numa embarcação superlotada, após ser expulso do país pelo regime de Muammar Gaddafi. Após uma semana, o barco naufragou na costa da Tunísia. Morreram 150 pessoas, incluindo seus dois filhos. Zakariyau hoje mora na Alemanha, onde vive como refugiado.
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Foi em maio de 2011. Fui trabalhar e levar meus filhos para a escola em Trípoli. A cidade ainda estava calma.
À tarde, começaram vários protestos e combates. Acabei correndo para buscar meu filho, Ahmad, 7, e minha filha, Amina, 5. Tentamos voltar para casa, onde minha mulher tinha ficado. No caminho, soldados nos pararam e disseram que deveríamos acompanhá-los.
Disseram que era para nossa segurança, porque havia grupos perseguindo negros. Inicialmente acreditei. Nos levaram a um campo militar, onde ficamos alguns dias. Depois, até um cais e nos fizeram entrar num barco.
O barco era grande, mas éramos 800 pessoas. Sentei no convés superior. Só tinha uma pasta com documentos comigo. Eu tinha casa, oficina e carro na Líbia. A vida era boa. Tudo ficou para trás.
No barco, coloquei Ahmad e Amina numa pequena cabine. Todas as crianças foram levadas para lá.
Partimos ao amanhecer em direção à ilha de Lampedusa. Os soldados afirmaram que a viagem iria demorar um ou dois dias. No primeiro dia, tudo correu bem. Só que a partir daí tudo piorou.
De vez em quando, eu lutava para abrir espaço para ver se Ahmad e Amina estavam bem. Dezenas de crianças choravam na cabine. No segundo dia, comida e água começaram a acabar.
Todos passaram a achar que o capitão estava perdido. Na noite do mesmo dia, avistamos luzes. As pessoas começaram a gritar "É Lampedusa! É a Itália!".
Vimos que dois barcos se aproximaram. Eram da guarda-costeira da Tunísia. Estávamos no lugar errado.
Horas mais tarde, avistamos outro barco. Era novamente de bandeira tunisiana, um pesqueiro. Aí o desespero tomou conta. Estávamos navegando em círculos.
Gritamos para o pesqueiro que precisávamos de água. Os tunisianos disseram que iam nos jogar algumas garrafas e advertiram que ninguém deveria tentar chegar ao barco deles.
No dia seguinte, começamos a beber a água usada no resfriamento do motor. Era meio salgada. Só um pouco foi distribuído para as centenas de pessoas. Muitas começaram a desmaiar. Eu e outros tentamos manter a ordem, para que o navio não trepidasse e perdesse o equilíbrio, mas a situação foi ficando cada vez mais difícil.
Na noite do quinto dia, avistamos uma luz. "Será que é a Itália?", todos começaram a perguntar. O capitão decidiu então seguir com toda a potência em direção à luz, apesar de algumas pessoas afirmarem que era estranho ela aparecer e desaparecer.
De repente, sentimos um choque e ouvimos um estrondo. Havíamos batido em uma rocha. A luz era só um farol.
Por sorte, o navio não se partiu nem começou a afundar, mas não podíamos mais seguir viagem.
Depois de dois dias, alguns botes infláveis de uma equipe de resgate se aproximaram. Os gritos de "estamos salvos!" tomaram conta do navio, apesar de muitos estarem fracos. Dezenas começaram a se amontoar no mesmo lado do convés, de onde era possível avistar melhor. Algumas pessoas nos botes atiraram garrafas de água. Tive sorte e consegui pegar uma.
Depois de alguns minutos, a quantidade enorme de pessoas concentrada no mesmo lado começou a forçar o equilíbrio do nosso barco. Ele acabou virando. Caí na água e logo percebi que não sabia onde estavam meus filhos.
Não sabia nadar. Segurei num cabo e fui puxado para um dos botes infláveis. Estava coberto de óleo.
Na água, os corpos pareciam boiar como peixes mortos. Ahmad e Amina não conseguiram se salvar.
Depois do resgate, cheguei a Lampedusa, onde me levaram para um campo. Passei um ano na Itália. Consegui entrar em contato com minha mulher. Ela hoje vive na Nigéria. Nunca mais a vi.
Sem perspectiva, decidi mudar para a França, e depois, Alemanha. Eu nunca quis vir à Europa, mas hoje tento construir uma vida aqui. É difícil. Meus documentos de refugiado não me permitem trabalhar.
Sempre me pergunto como eu tive tanta sorte. As pessoas aqui na Europa culpam os refugiados, achando que eles vêm aqui roubar os empregos, mas eles só estão tentando salvar suas vidas.