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Novo-rico chinês é alvo de campanha contra a ostentação
Governo teme efeito da desigualdade, que produz focos de contestação, mas hesita em aumentar seus gastos sociais
"Compra" do segundo filho e "obsessão" por barbatana de tubarão estão entre
as práticas criticadas na imprensa oficial chinesa
Claudia Antunes/Folha Imagem
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Trânsito no fim de tarde em Pequim; poluição e poeira da Mongólia escondem horizonte |
CLAUDIA ANTUNES
EM PEQUIM
A glória de enriquecer continua sendo a meta de milhões de
chineses, mas a ostentação de
riqueza merece condenação.
Ao viajante ainda atordoado
com os neons e os arranha-céus
de Xangai, os dirigentes comunistas repetem que "ainda somos um país em desenvolvimento", enquanto colunas e reportagens dos jornais oficiais
investem contra hábitos dos
novos-ricos, como a "compra"
(via pagamento de multa) do
segundo ou do terceiro filho.
A campanha é um eco do slogan da "sociedade harmoniosa"
lançado há dois anos pelo atual
presidente, Hu Jintao, por sua
vez conseqüência do medo de
que os desequilíbrios sociais e
regionais acentuados pela expansão econômica dos últimos
anos ameacem o regime.
As diferenças são visíveis para quem deixa a costeira Xangai, renda per capita anual de
US$ 7.000, e desembarca em
Xian, no centro do país, primeira capital da China unificada
(século 3 a.C.) e terra dos guerreiros de terracota -renda de
US$ 1.150. A viagem de avião de
duas horas leva de uma Nova
York asiática para um Rio de
Janeiro, com os contrastes familiares aos brasileiros.
"Paradise"
Em Xian, na Província de
Shaanxi, o Sheraton ergue 18
andares lotados de turistas em
uma avenida onde sobrados antigos têm janelas com limo acumulado e paredes desbotadas.
A 500 metros do hotel, um balcão sobre a calçada serve chá
verde engarrafado a chineses
que se debruçam sobre um jogo
antigo de tabuleiro.
A meia hora de carro dali, em
um subúrbio recém-remodelado, guindastes se movimentam
na construção das "townhouses", com dois andares e sótão,
do novo condomínio "Farong
Paradise" (em inglês mesmo).
Os dentes dos chineses são
brancos em Xangai, em Pequim. Manchados no interior,
como os dos moradores de uma
vila rural em Shaanxi. A agricultora Liang Hailing, 47 anos,
já tinha dois filhos quando se
mudou da caverna escavada na
terra em que morava para uma
casa no mesmo terreno, em
1987. Diz que ganha, com a ordenha de sete vacas, 30 mil
yuans por ano (US$ 3.800): ou
exagera ou os números oficiais
estão subestimados.
Liang tem a pele queimada
de sol como a dos migrantes das
áreas rurais que, em Pequim,
apontam para os estrangeiros
no carro ao lado e riem. Eles se
espremem em um ônibus da
empresa depois de um dia de
trabalho na construção civil.
É sobre os quase 800 milhões
de chineses que ainda vivem no
campo e os 120 milhões de migrantes que vagam pelas cidades sem registro de moradia (o
que lhes veta o acesso a serviços
públicos) de que fala a imprensa oficial. Os recados são dirigidos a alguns dos próprios dirigentes comunistas, que muitas
vezes se confundem com os novos-ricos -a consultoria Merrill Lynch estima que há no país
3 milhões de famílias com mais
de US$ 100 mil e 300 mil com
mais de US$ 1 milhão.
Mas a retórica contra a ostentação é, sobretudo, uma resposta ao crescente ativismo de
grupos independentes que denunciam agressões ao ambiente ou defendem as pessoas que,
até a aprovação da nova lei de
propriedade, em março, podiam ter suas casas sumariamente requisitadas por autoridades locais, mediante indenização ínfima, para a venda dos
terrenos a indústrias ou construtoras. O sinólogo americano
Richard Baum calcula que há
mais de 300 mil movimentos
desse tipo na China.
"É hora de dar um basta à indignidade de funcionários e celebridades escaparem do planejamento familiar. Se algumas
elites podem ter vida fácil à custa da maioria, isto levará a um
de dois resultados: as pessoas
não vão mais respeitar as políticas públicas, ou não acreditarão mais na unidade e na coerência de sua sociedade", escreve o colunista "Ma Jong" no
"Shanghai Daily".
No "China Daily", ligado ao
Conselho de Estado, um editorial condena a "obsessão dos
novos ricos" por barbatana de
tubarão, "um símbolo de riqueza e classe" que estaria levando
à extinção dos animais. "Eles
precisam de comidas caras para
abastecer sua autoconfiança",
sentencia o jornal. O mesmo
diário registra que o prefeito de
Pequim, Wang Qishan, criticou
o uso de adjetivos como "luxuoso" e "exclusivo" nos outdoors
de lançamentos imobiliários,
por minarem, diz ele, "o objetivo de manter a harmonia entre
os ricos e os pobres".
Pela empresa
Mesmo batendo continência
para o igualitarismo, o governo
chinês não está nem perto de
criar um Estado de bem-estar
social. A prioridade ainda é gerar riqueza por meio do crescimento, e não distribuí-la. Numa fábrica de sorvete da Província de Shaanxi, um mural
avisa, em chinês e inglês: "Não
pergunte o que a empresa pode
fazer por você e sim o que você
pode fazer pela empresa".
Na China, a universidade pública é paga e não existe serviço
universal de saúde nem de aposentadoria. Há programas focalizados de investimentos e
complementação de renda para
conter a insatisfação dos mais
pobres e evitar o êxodo rural
-na aldeia da senhora Liang, o
técnico agrícola Wang Jiu Zhou
pesquisa mudas de cultivos
mais rentáveis. Há dez dias, foi
anunciada uma reforma gradual do "hukou", o sistema de
registro que desde 1958 separa
a população urbana e a rural.
Martin Wolf, colunista do
"Financial Times", sugeriu há
dias que a China aumente o seu
gasto social, de modo que os
chineses poupem menos para o
hospital e a aposentadoria e
consumam mais. O mercado
interno teria um peso maior no
crescimento -contribuindo,
de quebra, para a redução das
tensões comerciais em torno
das exportações chinesas.
Essa é a questão que estará
no centro do próximo congresso do PC, o 17º, em outubro. Os
chineses não se estendem sobre o assunto. O sinólogo Barry
Naughton, da Universidade da
Califórnia, disse em seminário
recente da Brookings Institution (EUA) que o debate poderá
definir "o quão sério é o compromisso da China com uma
sociedade mais justa".
A jornalista Claudia Antunes viajou a convite do
governo chinês
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