São Paulo, domingo, 06 de junho de 2004

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EUA

Ex-membro do Partido Democrata, presidente gradativamente assumiu posições conservadoras em sua trajetória política

Trajetória de Reagan foi do centro à direita

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em "De Volta para o Futuro", quando Marty, o personagem vivido por Michael J. Fox, diz a pessoas de 1955 que 30 anos depois Ronald Reagan seria o presidente dos EUA, a reação geral é de absoluta incredulidade.
Afinal, em 1955, Reagan era conhecido apenas como o apresentador do programa semanal de televisão "General Electric Theatre" e por uns poucos acertos como ator no início da década de 40.
Seu talento artístico só havia sido louvado duas vezes: no filme "Criador de Campeões" (1940), em que fez o papel de um jogador de futebol americano, e em "Em Cada Coração um Pecado" (1941), um dramalhão.
Além disso, havia presidido o Sindicato dos Atores de Cinema entre 1947 e 1952 (posição que voltaria a ter entre 1959 e 1960), o que nada representava na época (ou agora) em termos de reconhecimento público.
Ronald Wilson Reagan foi o homem mais idoso, o primeiro divorciado e o único ator profissional jamais eleito para o cargo de presidente dos EUA. Na eleição de 1980 tinha 69 anos. Quando deixou a Casa Branca, quase 78.
Ele nasceu em 6 de fevereiro de 1911, na casa da família em Tampico, Illinois, meio-oeste dos EUA. Seu pai, John, era vendedor de sapatos. A mãe, Nelle, dona-de-casa com vago interesse em dramaturgia.
Sua infância foi difícil, do ponto de vista material. Os Reagan se mudaram várias vezes em busca de melhores empregos e Ronald começou a trabalhar aos 14 anos para ajudar a sustentar a casa.
O pai era alcoólatra e a mãe se tornou o grande modelo de Ronald, o caçula de dois meninos (o irmão mais velho, Neil, se tornou publicitário). A ela, em grande parte, é atribuída a vocação artística de Ronald.
Aluno medíocre, Reagan conseguiu cursar faculdade (de economia, em Eureka, Illinois), graças a seu talento como jogador de futebol americano, que lhe rendeu uma bolsa de estudos.
Foi na faculdade de Eureka, que Reagan demonstrou pela primeira vez seus dotes de liderança: como presidente do grêmio estudantil, organizou greve contra cortes de cursos, que acabou na renúncia do diretor da escola.
Sua carreira de artista começou também em Eureka, no grupo de teatro da faculdade. Depois de formado, em 1932, Reagan foi para Chicago, onde trabalhou como locutor de rádio até 1937.
De Chicago, seguiu para Hollywood, pelas mãos de um amigo que o levou para os estúdios Warner Brothers, com quem assinou contrato de sete anos pelo salário semanal de US$ 200.
Em 1940, Reagan se casou com Jane Wyman, que ganhou o Oscar de melhor atriz em 1948, pelo papel de surda-muda em "Belinda". O casal teve dois filhos, Michael e Maureen. Após oito anos de casamento, os dois se divorciaram.
A segunda mulher de Reagan, Nancy Davis, se tornou a primeira-dama dos EUA. Ela também era atriz, muito menos famosa e bem-sucedida do que Wyman.
Seu padrinho de casamento, em 1952, foi William Holden.
Nancy e Ronald fizeram juntos um filme medíocre, em 1957, e tiveram dois filhos controvertidos: a atriz e romancista Patti, que fez oposição política ao pai, e o bailarino e entrevistador de TV Ronald, homossexual.
Alguns críticos acham que a carreira de ator de Reagan naufragou devido ao intervalo que lhe foi imposta pela Segunda Guerra Mundial, quando parecia começar a decolar.
Ele serviu ao Exército entre 1942 e 1945, como capitão. Por ter sérias deficiências visuais e auditivas, não foi chamado para o campo de batalha. Mas ficou longe dos estúdios tempo suficiente para ser esquecido.
O retorno foi difícil. Contracenou com Shirley Temple, apresentou shows em Las Vegas, mas só em 1954 conseguiu emprego satisfatório, como porta-voz da General Electric e apresentador do General Electric Theater.
Durante a década de 50, Reagan, que sempre se interessou muito por política, foi deixando o Partido Democrata, ao qual era filiado desde os anos 30, e aceitando cada vez mais pontos de vistas conservadores.
Em 1952 e 1956, participou da organização Democratas por Eisenhower e em 1960 fez discursos a favor da candidatura de Richard Nixon para presidente. Em 1962, formalizou seu registro no Partido Republicano.
O discurso, transmitido em rede nacional, teve grande impacto sobre boa parte do eleitorado conservador do país e transformou Reagan num possível candidato viável para quase qualquer cargo público.
Seu envolvimento com o partido aumento em 1964, quando foi um dos dois organizadores da campanha presidencial de Barry Goldwater.
A grande virada na vida de Reagan se deu em 1966. Ele resolveu se tornar governador da Califórnia, o segundo mais importante Estado do país, e conseguiu sem grandes problemas.
Obteve a legenda do Partido Republicano, cuja máquina passara a controlar desde a campanha de Goldwater, e teve 58% dos votos na eleição contra o governador Pat Brown, que tentava se reeleger.
Reagan governou a Califórnia de 1967 a 1975. Reelegeu-se com 53% dos votos. Fez uma administração ultraconservadora. Acabou com o déficit orçamentário com radicais cortes de despesas e funcionários públicos.
Mandou a polícia reprimir com violência protestos contra a Guerra do Vietnã, vetou projetos de lei de legalização da maconha, eliminou milhares de pessoas dos sistemas de previdência social.
Tentou ser candidato à Presidência em 1968. Mas acabou em terceiro lugar na convenção nacional do Partido Republicano, abaixo de Nelson Rockfeller e de Richard Nixon, que venceu a disputa interna do partido.
Fez uma segunda tentativa em 1976 e perdeu a convenção para o então presidente, Gerald Ford, por apenas 60 votos num total de 2.200. Iniciou um programa diário em rede nacional de rádio e uma coluna em jornais.
Em 1980, Reagan era imbatível entre os republicanos. Seu principal oponente foi George Bush, que abandonou o pleito antes da convenção nacional e teve 13 votos dos convencionais contra 1.939 de Reagan.
Reagan, tendo Bush como seu vice, derrotou o presidente Jimmy Carter na eleição de novembro de 1980, com 51% dos votos. Carter teve 41% e o candidato independente John Anderson 7%.
A reeleição em 1984, contra Walter Mondale, foi mais fácil. Ninguém no Partido Republicano se atreveu a desafiar o presidente, que teve 59% dos votos contra 41% do candidato democrata.
Em 30 de março de 1981, dois meses depois da posse, Reagan foi vítima de atentado. Uma das seis balas disparadas por John Hinkley se alojou a 2,5 cm do coração do presidente. Em 12 dias, Reagan estava de volta ao trabalho.
Reagan deixou a Presidência com taxas de aprovação pública de 63% e elegendo seu vice, Bush, para sucedê-lo. A admiração dos norte-americanos por ele diminuiu após as investigações do caso Irã-Contras.
Em novembro de 1994, Reagan enviou carta-aberta ao país, na qual informava seus concidadãos que sofria do mal de Alzheimer, doença cerebral incurável e progressiva.


Carlos Eduardo Lins da Silva, 51, jornalista, é diretor da Patri Relações Governamentais e Políticas Públicas


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