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AMÉRICAS
Historiador argentino rejeita a idéia de que a América Latina viva uma onda populista por ser fraca institucionalmente
"Populismo não é um conceito pejorativo"
FLÁVIA MARREIRO
DE BUENOS AIRES
Estudioso dos fenômenos populistas na política, o historiador
e sociólogo argentino Ernesto Laclau é um entusiasta do governo
venezuelano. Sustenta que o presidente Hugo Chávez promoveu a
incorporação de mais setores ao
jogo democrático e provocou a
superação de um sistema político
que estava "podre".
Autor de "La Razón Populista"
(a razão populista), Laclau diz que
é preciso tirar a carga negativa da
palavra "populista", o conceito
mais usado para definirHugo
Chávez e o presidente boliviano,
Evo Morales.
"Sou contra a idéia de que o populismo seja um conceito pejorativo, ou seja, que o único que é válido o momento institucionalista
e que o movimento de mobilização é sempre vilipendiado".
Para Laclau, que também é professor de teoria política na Universidade de Essex, no Reino Unido, o populismo é uma forma de
construir o político, que nasce
quando várias demandas sociais
não encontram respostas no sistema institucional e se reúnem em
torno de alguns símbolos comuns. Ainda assim, é contra a
idéia que a América Latina viva
uma onda populista porque ainda
é frágil institucionalmente.
"Creio que, paradoxalmente,
depois de o sistema político do
continente latino-americano ter
sido tão mais débil que o europeu,
hoje, os sistemas neopopulistas
são mais potentes do que o francês, por exemplo."
De passagem por Buenos Aires,
ele falou na semana passada à Folha. Leia trechos da entrevista.
Folha - Qual a sua definição de
populismo?
Ernesto Laclau - Primeiro, sou
contra a idéia de que o populismo
seja um conceito pejorativo, ou
seja, que o único que é válido é o
momento institucionalista e que o
movimento de mobilização é
sempre vilipendiado. Mas também não é necessariamente positivo. Não é algo que se relacione
como um tipo de regime ou ideologia. É uma forma de construir o
político que consiste em privilegiar o que eu chamo de lógica da
equivalência sobre a lógica institucional diferenciada.
Por exemplo, se temos uma localidade onde os moradores pedem à prefeitura que seja criada
uma linha de ônibus para levar e
trazer ao trabalho. Se é criada,
sem problemas. Mas, se não conseguem, isso vira uma frustração.
Quando as pessoas têm outras
dessas demandas frustradas, de
saúde, de educação, então começa
a ter uma certa solidariedade entre todas essas demandas. Então,
tende-se a dicotomizar o espaço
social entre o campo dos que estão no poder e dos que estão abaixo. Isso já é uma situação pré-populista. Quando todas essas cadeias equivalenciais de demanda
se cristalizam em torno de certos
símbolos comuns, nesse caso já
temos o populismo no sentido estrito.
Folha - Mas há matizes na experiência latino-americana atual,
não? Essa situação é resultado da
fragilidade institucional? Uma etapa a ser cumprida?
Laclau - Há casos que o institucionalismo domina, outros em
que o populismo domina. Por
exemplo, o governo Lula combina as duas lógicas, hoje em dia as
duas coisas vão juntas. Há governos, como no caso do Chile e do
Uruguai, onde o componente institucional predomina. E há outros, como na Venezuela, em que
o componente equivalencial ou
populista predomina. Na Argentina, a situação é intermediária,
menos instucionalizada do que
no Brasil, por causa da desarticulação da crise de 2001. Não creio
que o populismo seja uma etapa
que corresponda a um certo estágio de desenvolvimento.
Por exemplo, alguns dizem que
as formas institucionalistas correspondem a estágios mais avançados, mas não é assim. Hoje na
Califórnia há um desenvolvimento claramente populista nos movimentos de renda, na batalha dos
impostos. Pode haver explosões
populistas em qualquer tipo de
país, se acontece esse tipo de curto-circuito entre a acumulação de
demandas insatisfeitas e a capacidade do Estado para absorvê-las.
Na França, as manifestações
mais recentes mostram que o sistema institucional não está funcionando de uma maneira muito
azeitada. Essas manifestações tem
um caráter populista muito claramente definido.
Folha - Mas na França não surgiu
nenhuma liderança política...
Laclau - Isso mostra que a crise
francesa continua sem solução.
Nem caminhou para uma solução
institucional nem por meio da
formação de um movimento popular alternativo. É um panorama
instável e nada fácil. Não é impossível que possa surgir uma figura
política. Creio que, paradoxalmente, depois de o sistema político do continente latino-americano ter sido tão mais débil que o
europeu, hoje, os sistemas neopopulistas são mais potentes do que
o francês, por exemplo. Na Itália
não está muito melhor. Na Alemanha, a situação de impasse político, com o compartilhamento
do governo, provoca uma certa
mobilidade. Ou seja, os sistemas
políticos europeus não estão passando por um bom momento ao
passo que os latino-americanos
estão em processo de consolidação. Em geral, esse tipo de realinhamento se dá quando há uma
grande crise, impõe divisões
maiores.
Folha - O sr. defende o governo
Chávez, que a experiência alarga a
participação democrática. Mas há
ganhos efetivos?
Laclau - O caso de Chávez é o
que mais se aproxima do populismo clássico pelo fato mesmo de
que se tinha lá um sistema político
podre, com uma base clientelista,
com uma escassíssima participação de massa. Havia a típica situação pré-populista: havia demandas que ninguém podia canalizar
dentro do sistema político. Chávez começa a interpelar essas
massas por fora do sistema institucional tradicional. Faz essas
massas participarem do sistema
político pela primeira vez. Isso se
produz por meio de mecanismos
populistas, através da identificação com o líder. O que se dá não é
um populismo do tipo autoritário, porque essa não é uma mobilização de cima. Pelo contrário, há
um aspecto de auto-organização
das massas, nos locais de trabalho. E nisso a participação dos técnicos cubanos foi decisiva. É um
ganho efetivo. Não há dúvidas
que o futuro latino-americano
passa por esse tipo de projeto.
Folha - E o que dizer da oposição
no Congresso? E das sucessivas reformas constitucionais?
Laclau - Noticiou-se recentemente que vai se formar uma
oposição com uma imagem de
centro-esquerda mais tradicional,
e não chavista. Ou seja, o que
aconteceu até agora é que a oposição foi muito fraca politicamente,
pelo fato de que suas bases tradicionais estavam em erosão, o sistema clientelístico na Venezuela
já não funciona como no passado.
E por outro lado, a imagem que ficou da tentativa de golpe de 2002
foi terrível, espantosa. O que se
viu foi que as acusações de fraude
não tinham fundamento.
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