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AMÉRICA LATINA
Novo governo assume na sexta prometendo atacar corrupção e contrabando, precondição para obter ajuda externa
Sob pressão, Paraguai tenta se "legalizar"
ROGERIO WASSERMANN
DA REDAÇÃO
O Paraguai empossa na próxima sexta-feira na Presidência Nicanor Duarte Frutos, 46, que promete tirar do país a conhecida pecha de paraíso da corrupção, da
falsificação e do contrabando.
Conta, para isso, com a ajuda do
Brasil, que promete empréstimos
de mais de US$ 1 bilhão, e com a
pressão do Fundo Monetário Internacional (FMI), que vê no
combate a esses problemas a única forma de o Paraguai sair da crise econômica e financeira em que
se encontra e honrar os compromissos de sua dívida pública, que
chegavam a US$ 2,2 bilhões em
dezembro do ano passado.
""Vamos promover uma guerra
contra a corrupção e a impunidade. Em meu governo não haverá
padrinhos nem parentes. Quem
não funcionar vai embora", afirmou Duarte anteontem, ao apresentar sua equipe econômica.
Para os analistas paraguaios, o
discurso de Duarte é, em parte,
decorrente também da pressão
dos governos brasileiro e argentino, que vêem no Paraguai um "vizinho problema". Não são poucas
as fontes de dor de cabeça para o
Brasil originadas no Paraguai. A
fronteira do Brasil com o país é a
principal porta de entrada para o
contrabando de produtos como
armas, CDs, roupas, cigarros, peças automotivas e equipamentos
eletrônicos, entre outros.
Carros roubados no Brasil frequentemente aparecem depois no
Paraguai -estima-se que 70%
dos 600 mil veículos que circulam
no país estejam em situação irregular. Em 2001, descobriu-se que
o carro que o atual presidente,
Luis González Macchi, usava, um
BMW, havia sido roubado no
Brasil. No início deste ano, descobriu-se que a primeira-dama, Susana Galli, também usava um
Mercedes roubado no Brasil.
Entre 1989 e 2000, o Paraguai foi
o quarto principal destino das armas leves fabricadas no Brasil
-muitas das quais voltavam ao
país de maneira ilegal. A exportação de armas para o Paraguai foi
proibida em 2000, mas o país permanece como principal origem
do contrabando para o Brasil.
O Paraguai é também o principal fornecedor da maconha que
chega ao Brasil do exterior.
Além de tudo disso, casas de
câmbio paraguaias são acusadas
de participação no esquema que
enviou, por meio do Banestado
(Banco do Estado do Paraná), até
US$ 30 bilhões ao exterior.
Sinais
"Os sinais recentes são claros.
Ou o Paraguai põe a casa em ordem ou o Brasil não vai ajudar
muito", afirma o cientista político
Tomás Palau, do centro de pesquisas Base, de Assunção.
Para Palau, os empréstimos
prometidos pelo Brasil para obras
de infra-estrutura, por meio do
BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), pressupõem a condição de
que o Paraguai ataque os problemas que afetam o país.
As supostas pressões dos vizinhos geraram até mesmo uma
crise política no governo paraguaio, com a demissão do ministro da Justiça e do Trabalho, José
Burró, que chamou brasileiros e
argentinos de "bando de sem-vergonhas". A afirmação de Burró
havia sido uma resposta a declarações do embaixador brasileiro
no Paraguai, Luis Augusto de
Castro Neves, sobre a falta de segurança jurídica no país.
O Itamaraty nega a pressão sobre o Paraguai. Diplomaticamente, o chefe da Divisão de América
Meridional 1 do Itamaraty, Pedro
Fernando Bretas, diz que prefere
comentar a "agenda positiva" da
relação bilateral.
"O interesse do Brasil é o progresso do Paraguai. Não queremos um Paraguai combalido, em
má situação econômica, até porque o Paraguai é um bom mercado para os produtos brasileiros",
diz Bretas. "Não é uma questão de
o Brasil adotar uma posição paternalista, mas de ajudar um vizinho com generosidade", afirma.
"O conceito que nós temos do
Mercosul [formado por Brasil,
Argentina, Paraguai e Uruguai] é
o de criar uma zona de articulação
econômica, não só comercial",
afirma o assessor especial da Presidência para assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia.
"Evidentemente que há todo o
interesse para o Brasil de que o
Paraguai se industrialize, para
criar alternativas consistentes para a economia paraguaia, que hoje
é somente uma grande exportadora de energia, o que não é
bom", diz Garcia. "No que o Brasil puder contribuir para a diversificação econômica do Paraguai,
nós contribuiremos, ainda que
dentro de nossas limitações."
A diplomacia argentina adota o
mesmo discurso e alerta para o fato de que a consolidação do Mercosul pressupõe o reconhecimento de que as economias dos países-membros "têm desenvolvimentos diferentes entre si".
"Compartilhamos com o Brasil
a visão de que devemos reconhecer que tanto o Paraguai quanto o
Uruguai têm assimetrias em relação a nossos países e, por isso, têm
de ter um tratamento diferenciado dentro do Mercosul para que
se desenvolvam plenamente",
afirmou Eduardo Cigal, subsecretário de Integração Econômica da
Chancelaria argentina.
Apesar de não haver hoje prevista nenhuma ajuda econômica
da Argentina para o Paraguai, Cigal diz que iniciativas como a do
Brasil são importantes dentro
desse contexto do Mercosul. "É
algo semelhante ao que aconteceu
na União Européia", diz, em referência à ajuda econômica que os
países menos desenvolvidos receberam para se integrar ao bloco.
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