São Paulo, quarta-feira, 20 de abril de 2005 |
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Bento 16 não dialogará com as "demandas modernas"
LUIZ FELIPE PONDÉ
A tradição dos padres do deserto, no Ocidente, será recebida por alguns pioneiros, entre eles, são Bento (séculos 5 e 6). Essa tradição era marcada pelo entendimento de que o mundo não é um referencial evidente para o cristão (ou para o homem não doente, no entendimento dessa tradição). Quando os padres do deserto abandonam as cidades, o cristianismo então já era uma religião em processo de acomodação das demandas de seu mundo secular em vias de oficialização plena. Ainda nesse período anterior a são Bento, no Oriente Médio, os monges (os padres do deserto) falavam em "recusa do mundo". A idéia era se afastar para criar o verdadeiro mundo. A prática da conversão não deveria seguir a lógica da sedução pela atração, mas pelo teste da ascese (a superação da dinâmica centrada no amor por si mesmo e por suas necessidades). O monge é aquele que re-funda o mundo porque este está fora dos planos de Deus. Nesse sentido, são Bento fundará o monaquismo ocidental, a ordem beneditina, "os monges de negro", homens pouco preocupados com o que pensavam deles, mas que, à diferença dos que pensavam mal deles, tinham a certeza de que caminhavam em direção à verdade. Se o mundo a sua volta, imerso no barbarismo da queda de Roma, no relativismo da decadência imperial, desintegrava-se, são Bento preparava-se (sem estar preocupado se teria um ou dois seguidores) para contemplar Deus e agir a fim de criar no mundo espaços (os mosteiros), ainda que mínimos, onde a onda desintegradora não se instalasse. São Bento é um homem para tempos difíceis, quando o "mundo lá fora" tornou-se um lugar que não merece plena confiança, onde as pessoas se perdem porque não sabem aonde estão indo. A tendência ao exílio reconstruidor do mundo (Bento 16 não se esconderá do mundo, mas agirá nele como alguém que não o admira só porque todos o acham lindo, seu exílio é sua capacidade de acreditar em sua fé e não negociar com modos facilitadores; ele não está no nosso mundo mesmo, porque nós não acreditamos em nada) é uma das estruturas teológicas fundantes do cristianismo. Isso implica num discurso que não leva em conta parâmetros "objetivos" de como o mundo "quer outra coisa", exatamente porque a consciência de que o mundo se engana faz parte da própria dinâmica da ação. Como podemos soar diante de alguém que vê o mundo como algo que seduz para se fazer aparentemente justo? As pessoas podem gritar pelo aborto, mas o ato ainda cheira a violência sobre um ser mais fraco (sem direito a palavra ou a uma ONG que o defenda) a serviço de um orgasmo fora de hora ou indesejado. Adoramos dizer que engenharia genética é "coisa de nazista" quando esquecemos que nazista é que é coisa nossa, e que nós e ele somos eugenistas (só que nós oramos pela "qualidade de vida" a todo custo e somos mais elegantes e discretos na nossa prática): a questão é onde acaba a terapia curativa/preventiva e começa a preventiva/ cosmética? Ninguém sabe. Afinal de contas, o celibato anda mal entre clérigos, mas os que podem casar (ou viver juntos) têm passado por um doloroso processo de desintegração afetiva e psicológica e de responsabilidade moral pela prole (claro que acalentados por teoria hedonistas da subjetividade que higienizam o sofrimento). Como fazer os seres humanos acharem que vale a pena viver com outro ser humano para além da lógica de troca de afetos e favores? É claro que se trata de "direitos afetivos". A modernidade está num beco sem saída (aporia) há algum tempo. O recuo (ou exílio) de Bento não implica a fuga do mundo real, mas sim um ato de discernimento profundo no mundo, que para nós parece estranho, seres pouco afeitos à atividade de discernimento para além da escolha de bens que nos agradam. Não acho correto entender essa atitude de Bento como "contra o humano", mas sim uma atitude que pensa despertar o humano para além do macaco que nele habita e que sonha com bananas, mas que, como esqueceu que virou macaco, esqueceu que só consegue sonhar com bananas. Luiz Felipe Pondé, filósofo, professor do programa de pós-graduacão em ciências da religião e do Departamento de Teologia da PUC-SP e da Faculdade de Comunicação da FAAP. Texto Anterior: O novo papa: Opinião: Ex-colega, jesuíta prevê "inovação" Próximo Texto: O novo papa: Opinião: Igreja vira-se para dentro, diz escritor Índice |
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