São Paulo, quinta-feira, 22 de setembro de 2011

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CLÓVIS ROSSI

O mundo de Dilma é o Brasil


O discurso da presidente tem propostas para a crise econômica mas é evasivo no restante dos temas

A POLÍTICA externa de Dilma Rousseff gira em torno de um assunto interno, o Brasil.
Ou, mais exatamente, a presença brasileira no mundo, no atual governo, terá como objetivo defender o que Dilma considera interesse brasileiro, sem se imiscuir nas discussões e situações que não afetam diretamente o país.
É óbvio que um governante se preocupe mais com seu país, mas, na gestão Lula, a diplomacia brasileira meteu-se em assuntos que não diziam respeito diretamente ao Brasil, de que dá prova definitiva e irrefutável o frustrado acordo Brasil/Turquia/Irã em torno do programa nuclear iraniano.
Agora, não. O discurso de Dilma ontem abrindo a Assembleia Geral da ONU dividiu-se em duas partes bem diferentes: muito assertiva e precisa ao tratar da crise econômica, mas genérica e evasiva demais ao tratar do grande assunto político da conjuntura, que é a chamada "Primavera Árabe", agora acoplada à questão do Estado palestino.Dedicou 22 parágrafos para falar da economia e 30 para o resto do temário obrigatório em tais ocasiões.
Mesmo ao tratar da crise global, estava com o olho posto em sua repercussão no Brasil. "Sabemos que nossa capacidade de resistência não é ilimitada", afirmou. O que não deixa de ser outro contraste com seu antecessor e sua famosa frase sobre a "marolinha" em que se transformaria o tsunami financeiro de 2008 ao atingir as costas brasileiras.
Nesse ponto, as ideias de Dilma são precisas e podem ser resumidas na frase "essa crise é séria demais para que seja administrada apenas por uns poucos países".
Essa é, de resto, a ideia-força do discurso, tanto na parte política como na econômica: na avaliação da diplomacia brasileira, o mundo mudou, continua mudando, mas a governança global não acompanhou nem remotamente a mudança.
Decepciona no discurso a escassa atenção dada à questão palestina, tratada em meros três parágrafos, em que fica claro o difícil equilibrismo já antecipado neste espaço: sim ao Estado palestino, sim também à segurança de Israel. Nada contra, mas faz 60 anos que se buscam as duas patas desse bicho, sem conseguir pô-lo de pé.
Se o Brasil está pronto, como disse Dilma, para assumir suas funções como membro permanente do Conselho de Segurança, era de se esperar que tivesse algo mais a dizer.
O dilema reaparece na referência implícita às revoltas no mundo árabe. Dilma repudia "com veemência as repressões brutais que vitimam populações civis", mas, no período seguinte do discurso, se diz convencida de que, "para a comunidade internacional o recurso à força deve ser sempre a última alternativa".
O que fazer, então, quando um Gaddafi ou um Assad adotam "repressões brutais"? Dilma não disse nem lhe foi perguntado.
É justo reconhecer, de todo modo, que ninguém, até agora, conseguiu a fórmula para escapar do dilema ou "não fazer nada" ou "mandar as tropas", dilema reconhecido francamente pela administração Obama, ao criar comissão destinada exatamente a superá-lo. Ficou claro que Dilma é uma, pró-ativa, quando o assunto diz respeito ao Brasil, e outra, evasiva, no resto.

crossi@uol.com.br

AMANHÃ EM MUNDO
Moisés Naim


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