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Ceticismo marca eleições no Egito

Por NEIL MacFARQUHAR

CAIRO - No comício que deu início à sua campanha ao Parlamento, Basem Kamel, membro do conselho juvenil que contribuiu com o fim da ditadura de Mubarak no Egito, discursava em defesa de um regime civil.

"Não queremos regressar ao islã da Idade Média", disse Kamel em Sharabiyya, bairro pobre na zona norte do Cairo. "Não quero o islã que prega que eu estou certo e que todos os demais são infiéis."

A campanha eleitoral para a primeira eleição parlamentar no Egito desde a deposição do presidente Hosni Mubarak, em fevereiro, começou devagar.

Mas seus contornos já são conhecidos há meses: que um grupo de partidos novos, a maioria liberais, irá desafiar a bem organizada Irmandade Islâmica e os remanescentes da máquina política do velho governo.

A dúvida que cerca a eleição é se o Parlamento resultante será suficientemente robusto para cumprir a fugidia meta da revolução: desafiar os 60 anos de poder dos militares, em controle do país.

Levando em conta que os líderes juvenis levaram apenas 18 dias para enxotar um presidente que passara quase 30 anos no cargo, esperava-se que eles tivessem um papel de destaque no modelo que viria a seguir.

Mas a realidade foi diferente.

Inicialmente, o governante Conselho Supremo das Forças Armadas demonstrou interesse em consultar a coalizão juvenil. Mas os jovens abandonaram as reuniões após uma violenta repressão contra manifestantes, em abril.

"Os militares nos queriam como decoração", disse o cirurgião Shady el Ghazaly Harb, 32, que está atualmente ajudando a criar um novo partido liberal.

"Eles nos usaram como fonte de informação, um indicador do humor das ruas, de como os jovens iriam reagir - mas não era uma experiência interativa."

Os principais membros da Coalizão da Juventude Revolucionária, uns 17, se dividiram em facções - como, aliás, todo o espectro político do Egito. Alguns criaram partidos próprios. Outros foram absorvidos por grupos mais antigos.

"Eles eram todos mendigos antes da revolução", disse Mohamed Salah, ferino colunista do jornal pan-árabe "Al Hayat". "Agora, metade deles é de apresentadores de talk-shows, e a outra metade aparece nos programas deles como convidados pagos, enquanto o resto da população não consegue achar dinheiro nem para comprar comida."

Uma meia dúzia dos membros originais da coalizão espera traduzir seu protagonismo em uma das vagas parlamentares a serem disputada em três etapas entre o final de novembro e 10 de janeiro. Mas eles enfrentam um pronunciado ceticismo.

"Não ligamos para eles, eles são que nem o Mubarak, só querem dinheiro", resmungou uma mulher toda coberta por véus, logo antes de Kamel subir para discursar. "Só queremos que as coisas voltem a ser como eram."

Kamel concorre pelo Partido Social Democrático Egípcio, um dos principais grupos liberais, que propõe que a Suécia sirva de modelo para o Egito.

Estima-se que 20% a 30% dos 50 milhões de eleitores egípcios apoiem a Irmandade Muçulmana e outras facções islâmicas. Menos de 20%, a elite e a minoria cristã copta, devem se comprometer com um regime civil.

O desafio é conquistar os mais de 50% de eleitores indecisos. Grosso modo, 14 organizações liberais e 8 partidos islâmicos estão apresentando candidatos, então se destacar entre mais de 6.000 postulantes a 498 vagas é difícil.

Some-se a isso o fato de que os poderes desse próximo Parlamento são cada vez mais vagos, já que o conselho militar informou que pretende preservar sua autoridade final no Egito por pelo menos mais um ano.

O espectro político ficou novamente indignado com as recentes propostas do governo provisório destinadas a orientar a redação da nova Constituição.

Esperava-se que o novo Parlamento escolhesse o próximo gabinete e um conselho constituinte de cem integrantes.

Mas as diretrizes constitucionais propostas sugerem que os generais irão escolher 80 membros do conselho, deixando apenas 20 para o novo Parlamento, e que deixariam as Forças Armadas a salvo da supervisão civil.

"O regime ainda não mudou, a revolução ainda não está completa", disse Kamel. "Todo egípcio tem um papel agora, seja ele pequeno ou grande, mas é um papel, e cada egípcio deve assumi-lo."

Dina Saleh Amer e Heba Afify contribuiram com reportagem

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