São Paulo, segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

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ENSAIO - PETER BAKER

No lado correto da história

Objetivo americano: difundir a liberdade de forma apartidária

LIVRARIA DO CONGRESSO
O presidente Obama vai superar a política partidária, esperam
alguns, ao promover a democracia no exterior


WASHINGTON
Os gritos na Praça Tahrir foram ouvidos ao redor do mundo. Se você prestou atenção, talvez tenha escutado alguns a 11 mil quilômetros de distância do Cairo, em Dallas, Texas.
A revolução no Egito reabriu um antigo debate sobre a "agenda da liberdade" que animou a Presidência de George W. Bush. Afinal, ele estava certo, como afirmaram seus seguidores? Ou estão reivindicando um crédito que Bush não merece? E o presidente Obama apanhou o manto da democracia e o transformou em seu?
O debate em Washington e Dallas tende a desprezar a realidade de que as revoluções em países distantes são, geralmente, construídas a partir da base, e não desencadeadas por políticas feitas nos corredores da Casa Branca. Mas as lições da rebelião egípcia vão agitar a política americana, a elaboração de políticas e a construção da história por algum tempo.
O presidente Bush, afinal, fez de "pôr fim à tirania em nosso mundo" a peça central de seu segundo discurso de posse e considera que é um de seus legados pessoais. A promoção da democracia tornou-se tão associada a ele, e à guerra no Iraque, que os democratas pensavam que hoje estivesse desacreditada.
Obama foi visto por alguns apoiadores como o contrapeso realista. Ele apregoou as virtudes da democracia em discursos, mas não a retratou como a missão de sua Presidência. Quando os manifestantes do Movimento Verde no Irã foram às ruas de Teerã, a resposta relativamente muda de Obama gerou críticas.
Em comparação, diversos especialistas em política externa disseram que a adoção por Obama dos manifestantes egípcios no mês passado, embora às vezes cautelosa e confundida por sinais conflitantes de outros membros de seu governo, parecia sugerir um ponto de virada.
"Ele ficou no lado certo quando grande parte do establishment de política exterior aconselhou de outro modo", disse Robert Kagan, um estudioso do Instituto Brookings, apartidário, baseado em Washington.
Para Obama, o desafio poderá ser definir a disseminação da liberdade e da democracia como um objetivo apartidário americano.
Democratas que, há muito tempo, trabalham nessa questão manifestaram a esperança de que ele consiga afastar a associação dessa meta a Bush.
Encontrar o equilíbrio certo nunca foi fácil.
Bush se concentrou na democracia como objetivo depois que a invasão do Iraque não encontrou as armas de destruição em massa relatadas pelos órgãos de inteligência americanos.
Ele a elevou a um tema central de seu segundo discurso de posse, segundo assessores, para dar à guerra ao terror uma missão positiva além de simplesmente caçar terroristas. Mas sempre houve uma tensão interna em seu governo. O ex-secretário da Defesa Donald H. Rumsfeld deixa claro em sua nova memória que pensou que a ênfase na democracia foi mal colocada, diante das dificuldades de se transplantar instituições no estilo ocidental para regiões habituadas à autocracia.
Então, em 2006, a eleição de um governo palestino liderado pelo Hamas silenciou em parte o ardor do governo pela democracia.
Matt Latimer, um ex-redator de discursos de Bush, lembrou, recentemente, que ele preparou um discurso retumbante sobre democracia para que o presidente pronunciasse no Egito em seu último ano no cargo, mas teve de reescrevê-lo no último minuto.
"As exigências de reformas no Egito tornaram-se uma mera 'esperança' de que o Egito pudesse 'um dia' liderar o caminho da reforma política", escreveu Latimer.
Mas, há poucos dias, ex-assessores de Bush como Elliott Abrams e Peter Wehner lembraram os apelos por reformas do ex-presidente e lhes deram o crédito por montar o cenário adequado.
"Ele acertou ao dizer pela primeira vez que a população do Oriente Médio queria liberdade tanto quanto as populações de qualquer outra região, e ao começar a ajudar através de diplomacia e de programas", disse Lorne W. Craner, um vice-secretário de Estado para a democracia sob Bush.
Craner disse: "Bush nos colocou no lado certo da história, e isso serviu aos interesses dos democratas na região e também aos Estados Unidos". Nem todo mundo vê dessa forma, especialmente no governo Obama.
"Bush estava certo?", zombou um assessor de Obama. "Por favor! Quantas transformações democráticas ocorreram quando ele estava no cargo?"
Várias, na verdade. Na Ucrânia, Geórgia, no Líbano e no Quirguistão.
Mas eventos posteriores nesses países também mostraram que esses primeiros passos não apontavam necessariamente em linha reta para uma democracia jeffersoniana duradoura.
Os assessores de Obama disseram que, desde o início, ele se concentrou na democracia no exterior. Mas parece ter encontrado mais voz nos últimos seis meses.
Segundo assessores, Obama pode fazer progressos onde Bush falhou, pois o atual presidente assumiu como prioridade estender a mão aos muçulmanos e retirou ênfase da ideia de que combater o terrorismo significa guerra ao islamismo.
Bush também enviou essas mensagens, mas os assessores de Obama disseram que o Iraque e a baía de Guantánamo reduziram o impacto.
A questão passa a ser se a promoção da democracia novamente se tornará uma aspiração bipartidária.
Damon Wilson, um ex-assessor de Bush que hoje é vice-presidente executivo do Conselho Atlântico, um grupo de pensadores apartidário de Washington, disse que ficou surpreso pelo fato de Obama não ter assumido a propriedade da democracia como tema desde o início.
Mas agora, com o Egito, ele tem a chance de fazê-lo, disse Wilson, expressando esperança de que os republicanos não se afastem dessa ideia simplesmente porque Obama a está abraçando.
"De todas as questões para se lutar", ele disse, "a democracia não é uma em que devamos declarar diferenças partidárias."


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