São Paulo, segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

INTELIGÊNCIA - SANJEEV SANYAL

Um renascimento que parte da favela

Gurgaon, Índia
As imagens da Índia vêm em dois extremos -de pobreza grave e de empresas de software que vivem um boom.
As duas imagens são reais. Mas o problema é que o crescimento está sendo gerado pelos centros urbanos, enquanto dois terços dos indianos ainda vivem em povoados rurais. Os filhos dos lavradores percebem isso e não querem mais trabalhar a terra. Então o que fazem?
Eles estão se mudando, aos milhões, para as cidades. Grandes cidades como Déli e Mumbai têm crescido em ritmo explosivo; suas populações atuais são de respectivamente 17 milhões e 20 milhões de habitantes.
Mas agora estamos assistindo ao crescimento acelerado das cidades menores espalhadas pelo país, e é provável que antes de 2040 a maioria da população da Índia seja urbana.
A Índia urbana terá que absorver outros 350 milhões de pessoas nas próximas três décadas. Infelizmente, as cidades já estão no limite. Por isso, não surpreende que haja favelas -fornecendo os ingredientes aos artigos em tom de compaixão dos jornalistas estrangeiros que visitam a Índia. Reforçada por filmes como "Quem Quer Ser um Milionário", a impressão é que as favelas são lugares de trevas e horror das quais a única fuga possível é por pura sorte.
Nada poderia estar mais distante da verdade.
As condições de vida são de fato terríveis nas favelas indianas, mas elas não são lugares de desesperança. A maioria de seus moradores é formada por migrantes que se esforçam para escalar a pirâmide econômica e que enxergam as favelas como via de acesso à economia urbana moderna.
As favelas fervilham de atividade econômica informal: consertos de automóveis, pequeno comércio, barracas de chá, oficinas industriais e assim por diante. É comum ver "aulas de inglês" e até mesmo "centros de computação". É por essa razão que as favelas indianas são lugares surpreendentemente seguros, totalmente distintas das favelas da América do Sul ou até mesmo das cidades decadentes do Cinturão da Ferrugem dos Estados Unidos. As favelas da Índia guardam semelhança muito maior com as favelas de imigrantes em Nova York, um século atrás. São lugares onde as pessoas buscam uma vida nova e se dispõem a suportar dificuldades tremendas para consegui-la. Um relatório das Nações Unidas estima que 60 milhões de pessoas tenham saído das favelas da Índia nos últimos dez anos. Muitas delas foram absorvidas pela crescente classe média, fato que cria a ideia de que as favelas são um veículo de ascensão social e saída da favela. Essa esperança atrai ainda mais gente às favelas.
As próprias favelas passam por transformações constantes. Os "vilarejos urbanos" de Déli são um bom exemplo de como as favelas evoluem com o tempo. Mahipalpur, perto do aeroporto internacional, era um vilarejo até três décadas atrás. Quando foi engolido pela cidade, o ex-vilarejo tornou-se uma favela habitada por trabalhadores da construção, empregadas domésticas, motoristas, guardas de segurança e outros provedores de serviços. Nos últimos anos, ela transformou-se novamente, desta vez em um labirinto de hotéis baratos cujas luzes brilhantes são visíveis a caminho do aeroporto. A confusão orgânica pode parecer caótica, mas reflete a mesma energia que move o crescimento econômico da Índia.
O desejo do país de ser um ator no palco mundial foi refletido no Fórum Econômico Mundial promovido recentemente em Davos, Suíça: a Índia foi o país que levou a maior delegação ao evento.
Uma nova Índia está emergindo da migração em massa, das favelas em evolução e da urbanização acelerada: uma Índia que reflete as atitudes e aspirações modernas dos novos migrantes.
Há sede de aprender a língua inglesa. Os jeans, vistos como símbolo da modernidade, agora são muito populares, especialmente entre as mulheres jovens. O sári, antes onipresente, tornou-se cada vez mais um traje usado apenas em situações formais. Mas essas mudanças não devem ser confundidas com ocidentalização.
Até meados dos anos 1990, a classe média urbana ouvia bastante música americana e britânica -Cliff Richard, Beatles, Michael Jackson e Madonna-, além do pop local. Hoje, contudo, quase não se ouve uma canção ocidental. Em vez disso, os migrantes trazem do interior seus gostos próprios, que se expressam em grandes sucessos como "Munni Badnaam Hui" ("Munni Tornou-se Infame") e "Beedi Jalai Le" ("Acenda Seu Charuto"). As letras sensuais dessas canções teriam chocado uma geração anterior de compositores de Bollywood.
Ame-a ou odeie-a, esta nova Índia chegou para ficar.

Sanjeev Sanyal é autor de "The Indian Renaissance: India's Rise after a Thousand Years of Decline". Envie comentários para intelligence@nytimes.com



Texto Anterior: Tendências mundiais
Bagdá lança um esforço para atrair os exilados de volta

Próximo Texto: Campo fica de fora do crescimento indiano
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.