São Paulo, segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

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Flagelo financeiro assola a Argentina

Por ALEXEI BARRIONUEVO
BUENOS AIRES - A inflação -uma fraqueza da economia argentina há décadas- voltou a subir. Economistas independentes estimam que ela tenha sido de 25% a 30% em 2010, maior índice desde a calamitosa desvalorização de 2002, que deixou a economia em queda livre.
Desta vez, os mais pobres já estão sentindo o problema na própria carne. A carestia dos alimentos começou a superar os aumentos salariais em 2010, fazendo com que os argentinos comprassem menos alimentos, segundo economistas independentes. E muita gente das classes média e alta está mais dependente do cartão de crédito, o que contribui com os níveis de endividamento pessoal.
Embora pareça irreal imaginar uma volta à hiperinflação das décadas de 1970 e 80 -quando varejistas aumentavam os preços de hora em hora-, a inflação não dá sinais de ceder e coloca em dúvida os esforços de mais "inclusão social" da presidente Cristina Kirchner, provável candidata à reeleição em outubro.
Outros países latino-americanos também estão às voltas com a inflação.
O Brasil, assolado por uma hiperinflação que chegou a superar 2.000% e só foi debelada em 1994, está cada vez mais preocupado com a possibilidade de o índice superar 5,5% neste ano.
Na Venezuela, a taxa é a maior da América Latina -27,2%, segundo o Banco Central-, e o presidente Hugo Chávez culpa "especuladores" pelos aumentos de preços.
Cristina insiste que a inflação não é um problema, mesmo diante das substanciais provas apresentadas por economistas independentes e por autoridades locais de que, há vários anos, a agência governamental de estatísticas apresenta cifras de inflação e pobreza inferiores à realidade.
A taxa oficial de inflação, de 10,9%, não chega à metade do cálculo de economistas independentes e de firmas como a Ecolatina, que estimou, no mês passado, um índice anualizado de 26,6%. O número oficial de pobres -12% da população- também é bem menor que as estimativas independentes, em torno de 30%.
O ministro da Economia, Amado Boudou, declarou, em novembro, que a inflação é um problema "das classes média e alta" e criticou as empresas que aumentam preços. Mas alguns economistas e institutos de pesquisa dizem que a alta de alimentos e vestuário afeta principalmente os pobres, especialmente os da economia informal, situação de 40% dos argentinos.
"Está claro que a inflação pesa mais sobre os argentinos com rendimento fixo, e, especialmente, os que estão na economia informal e não têm um sindicato para defender seus interesses", disse Sergio Berensztein, analista da consultoria Poliarquía, de Buenos Aires.
Embora o governo diga que a economia cresceu 9,5% em 2010, o índice de pobreza chegou a 30% da população, maior nível desde que a taxa superou 50% depois da crise econômica de 2001/02, segundo economistas independentes.
O governo de Cristina Kirchner tem tentado aplacar os temores inflacionários mantendo o crescimento econômico a taxas quase chinesas, graças à elevada cotação internacional da soja (a China cresceu 10,3% em 2010).
De acordo com o governo, há um "boom" de consumo hoje na Argentina, como prova o recorde de 2010 na venda de veículos; as autoridades se protegem mantendo substanciais reservas em dólares.
Mas o consumo doméstico está ultrapassando os limites da produção, o que causa inflação. Os salários vêm tendo aumentos médios superiores aos 20% anuais, mas, ainda assim, têm dificuldades para acompanhar o ritmo do custo de vida. Os argentinos, certamente, estão comprando, mas muitos deles a crédito.
No balneário de Pinamar, Carlos Bermejo, 74, disse que continua tendo de se endividar no cartão para chegar ao fim do mês. "Já vivi a inflação", disse ele. "Os jovens não têm essa experiência. Entram em dívidas achando que vão derrotar a inflação. Mas nunca dá para derrotar a inflação."

Com reportagem de Charles Newbery, de Pinamar (Argentina)



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