São Paulo, segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

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ARTE & ESTILO

Um sanduíche se transforma em arte

Por RANDY KENNEDY
Apenas os observadores mais atentos teriam percebido algo de incomum em um dia recente na mesa de almoço de 12 pessoas na cafeteria do segundo andar do Museu de Arte Moderna de Nova York.
A mesa em si era de cor diferente das outras mesas na sala: um tom de azul típico de restaurantes. Mais estranho, porém, foi o fato de que todos os que estavam sentados em volta dela estavam comendo a mesma coisa: um sanduíche de atum acompanhado de uma xícara de sopa ou leitelho, algo que não é muito comum hoje em dia para acompanhar um almoço.
As pessoas à mesa eram, em sua maioria, desconhecidas umas das outras: um estudante de pós-graduação, um diretor de biblioteca, um professor, um estudante do último do secundário, um paisagista. Mas, durante meia hora naquela tarde, eram também artistas Fluxus ex-pós-facto, tendo se cadastrado para fazer parte de uma amplamente conhecida obra de arte performática digerível chamada "Almoço Idêntico", que vem sendo apresentada com frequência em vários pontos de Nova York e do mundo desde 1968.
Foi nesse ano que Alison Knowles, uma das fundadoras do movimento Fluxus -que era, na realidade, não tanto um movimento quanto um grupo solto de artistas nos anos 1960 que exerceu grande influência sobre gerações de artistas posteriores- começou a almoçar regularmente no "diner" Riss, no bairro nova-iorquino de Chelsea.
Seu amigo e colega de estúdio Philip Corner foi o primeiro a notar que ela nunca variava seu pedido: sanduíche de atum com alface sobre pão de trigo, sem maionese, e sopa ou um copo de leitelho. Knowles decidiu continuar a pedir a mesma coisa, convidar pessoas a fazer o mesmo com ela, documentar todas as pequenas nuances e repetições e chamar a isso de arte, se bem que ela não se importava realmente se alguém concordava com ela ou não. "A ideia era ter uma desculpa para conversar com pessoas, observar tudo o que acontecia, prestar atenção", disse Knowles, que tem 77 anos.
Se o objetivo do Fluxus foi derrubar as separações entre fazer arte e viver a vida, o almoço fez isso muito bem. Knowles o enxergava como uma performance, quer o fizesse com amigos no Riss, em um museu ou sozinha durante uma viagem a algum outro país.
O Museu de Arte Moderna a convidou a encenar uma série de almoços neste mês.
Um pouco depois do meio-dia, ela olhou para seus colegas de almoço, tomou uma colher de sopa de cenoura e disse: "Bem, bon appétit".
Ela pronunciou seu sanduíche, preparado pela chef-executiva da cafeteria, Lynn Bound, "de alto nível", um dos melhores que já tinha comido.
Joseph Strong, estudante colegial que quer ser artista performático e que faz sua própria performance diária, usando uma cartola preta, pareceu um pouco duvidoso em relação ao leitelho, mas felicíssimo em estar dividindo uma mesa com Alison Knowles.
Depois de algumas risadas, Knowles levantou-se da mesa, foi para atrás do balcão da cafeteria, colocou um chapéu de papel na cabeça e criou uma versão liquidificada da refeição: leitelho e sanduíche batidos em alta potência.
Serviu um pouco a todos os participantes, em copinhos de papel para café expresso.
Não estava nada ruim. A criação tinha sabor de algo pelo qual se poderia pagar US$ 30 em algum lugar nos arredores de Barcelona -cremoso e com um crocante de trigo integral, que parecia deslocado.
David Kim, escritor e professor do Instituto Pratt, que fica em Manhattan, não pareceu compartilhar essa opinião. Estava com a aparência ligeiramente verde. "Sou vegetariano", disse. "Esta é a primeira carne que como em cerca de nove anos."
"Mas, ei, qualquer coisa em nome da arte, certo?", acrescentou.


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