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Ruy Castro

A literatura de pijama

RIO DE JANEIRO - Domingos Oliveira, cineasta e dramaturgo que muito admiro, contou na "Ilustríssima" ("A torradeira do poeta", 11/8) sua experiência como assistente de Joaquim Pedro de Andrade na filmagem do curta "O Poeta do Castelo" (1959), sobre Manuel Bandeira. No filme, Bandeira aparece de roupão sobre o pijama, na cozinha de seu humílimo apartamento na avenida Beira-Mar, no Castelo, preparando o café da manhã. Enquanto o vemos fervendo o leite, ouvimo-lo em "off" recitando sua poesia. Depois Bandeira fica só de pijama e volta para a cama. Recosta-se e puxa para perto de si a mesinha com a máquina de escrever.

O filme é ótimo, mas, se a ideia era mostrar a simplicidade de vida de um grande poeta brasileiro, a cozinha micro, as canequinhas na bateria e o fogão cuja trempe ele tem de soprar para acender já seriam suficientes. Nunca entendi o roupão e o pijama.

Em outro curta, sobre Nelson Rodrigues, "Fragmentos de Dois Escritores" (1968), de João Bethencourt, vê-se Nelson também batucando à máquina, fumando na janela, tomando sua papinha para a úlcera, e também de pijama, em seu apartamento em Ipanema. E, numa famosa foto, Mario de Andrade posa com um luxuoso "robe de chambre" --dizem que desenhado por ele-- em sua casa em São Paulo. Sob o robe, o pijama.

Por algum motivo, os escritores brasileiros gostavam de se deixar filmar ou fotografar em trajes íntimos --e pode haver traje mais íntimo do que o pijama, a roupa com que se dorme e se acorda? Mas esse motivo me escapa. E a regra só se aplica a eles --não tenho notícia de que Rachel de Queiroz, Clarice Lispector, nem mesmo Hilda Hilst, tenham sido um dia flagradas de camisola ou "peignoir".

Se alguém me pedir, vou ter de declinar. Não uso pijama desde criança. A verdadeira intimidade está entre uma linha e outra do que se escreve.


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