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Os parceiros simbiônticos
AUGUSTO DE FRANCO
Lula foi ajudado por uma oposição que se esmerou em poupá-lo, estendendo
a tábua de salvação para livrá-lo do naufrágio
O FATO é que começamos o ano
5º da "Era Lula" sem oposição
no país. Tal como o governo, a
oposição partidária no Brasil também
constitui fenômeno inédito. Segundo
ela, a vitória eleitoral terá sido uma
espécie de anistia para os crimes do
governo corrupto de Lula da Silva. Assim, vamos esquecer tudo. Vamos parar de ficar cobrando de onde veio o
dinheiro do mensalão e do falso dossiê e o que faziam os homens de confiança de Lula na trama, quem traiu o
presidente, como foram usados os
cartões corporativos da Presidência,
onde foram parar aquelas cartilhas...
Apostando todas as fichas na loteria
do calculismo eleitoreiro, a oposição
colheu o óbvio: consagrou a impunidade dos malfeitores e a continuidade
da "sofisticada organização criminosa" que se instalou no Planalto.
Tenho uma tese a esse respeito: só
foi possível a eclosão do fenômeno
político inédito que estamos vivendo
no Brasil desde 2003, com Lula e o PT
no poder, devido à existência de um
partido com as características do
PSDB. Eles, PT e PSDB, dão a impressão de parceiros simbiônticos. Uma
crítica mais ácida diria que o PSDB fez
o papel de "Kerenski brasileiro". Mas
essa foi uma conseqüência objetiva do
seu comportamento fora do poder,
sem nenhum desdouro para a gestão e
as intenções democráticas do estadista Fernando Henrique Cardoso.
Ademais, o colaboracionismo oposicionista foi o resultado do comportamento adotado pelos dois principais partidos de oposição, e não uma
orientação dessas agremiações. Tal
comportamento evoluiu, manifestando-se como renúncia de ser e fazer
oposição (2003, ano em que os tucanos foram atacados pela "síndrome
da oposição responsável"), passando
pela vacilação e pela leniência tática
(2004 e parte de 2005), avançando
para características menos colaborativas (2005, no auge do escândalo do
mensalão), mas recuando novamente
para formas implícitas ou explícitas
de conivência (a partir de agosto de
2005 até o início formal da campanha
eleitoral em agosto de 2006).
Lula não deveria ser mal-agradecido. Ele deve tudo às oposições, sobretudo aos tucanos. Ele jamais foi abalado pelo PSDB e, sim, por suas próprias trapalhadas e as dos seus auxiliares que, uma vez descobertas, não
poderiam deixar de ser denunciadas
pela imprensa. Pelo contrário, Lula
sempre foi ajudado por uma oposição
que se esmerou em poupá-lo e blindá-lo e, de agosto de 2005 até o final daquele ano, construiu uma operação de
resgate do presidente, estendendo-lhe a tábua de salvação do palanque
de 2006 para livrá-lo do naufrágio.
Deu no que deu.
Não contente com isso, a oposição
ainda lhe fez o favor de não travar a
decisiva pré-campanha, de janeiro a
agosto de 2006. Enquanto o PSDB
aguardava, apalermado, o início do
horário eleitoral, durante oito meses,
Lula, disputando sozinho, praticamente dobrou as suas intenções de
voto, pulando, segundo o Datafolha,
de um patamar de 33% (no início do
ano passado), para 41% (em março),
para 43% (em maio), para 46% (em
junho) e para 49% (em agosto). Deu
no que só poderia dar mesmo.
Eis-nos, agora, novamente na tempestade. Lula recuperou a sua nau,
mas a nossa está à deriva. Nossos pilotos abandonaram o barco, pressurosos como sempre, para cuidar de seus
próprios interesses. Quando tudo isso
passar, será que eles não terão vergonha de contar para seus filhos e netos
o ridículo papel que desempenharam
nesta história? Eu teria.
Quando tudo isso passar. Mas... e se
não passar assim tão rapidamente? E
se estivermos apenas no início de um
período regressivo de longa duração?
Quem vai reagir? Quem vai resistir?
Se você é um democrata, deve estar
indignado. Mas como você foi abandonado, é possível que tenha feito um
propósito nesta entrada de 2007: imitar as oposições e dizer que a vida é assim mesmo. Não importa se Lula continuar avacalhando o Brasil e urdindo
uma maneira de não sair (de fato) do
poder: você dirá que não tem nada
com isso. Pior: você pode, imitando
mais uma vez as oposições, só se mexer se surgir um movimento oposicionista (de fato), propondo retirar Lula
do poder. Aí, sim, você marchará ombro a ombro com os bravos tucanos
para defender a governabilidade.
Sorte sua se, como ocorre com esses
propósitos que fazemos no início de
cada ano, você não cumprir o prometido. Nem que seja pela falta de virtude, desejo que você seja poupado da
vergonha de ter que explicar para os
seus filhos e netos as razões pelas
quais resolveu dobrar a espinha. São
os meus votos de Ano Novo.
AUGUSTO DE FRANCO, 56, é analista político do blog
www.democracia.org.br e autor, entre outros livros, de "A Revolução do Local: Globalização, Glocalização, Localização". Foi membro do comitê-executivo do Conselho da
Comunidade Solidária no governo FHC (1995-2002).
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