São Paulo, sexta-feira, 05 de agosto de 2005

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CONEXÃO PORTUGUESA

Está no mínimo mal contada a história acerca das relações entre o governo brasileiro, o empresário Marcos Valério e a empresa Portugal Telecom. Na terça-feira, no Conselho de Ética da Câmara, o deputado Roberto Jefferson questionou o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu sobre sua participação numa suposta trama, urdida no Palácio do Planalto, para obter do maior grupo privado português uma contribuição financeira para "colocar em dia" as contas do PT e do PTB.
Dois emissários, um de cada agremiação, teriam, segundo Jefferson, viajado a Lisboa. Dirceu, que até então tudo negara, continuou em seu discurso pouco verossímil: disse que desconhecia o episódio e acusou seu adversário de estar criando uma fantasia. Logo, porém, se descobriu que a viagem de fato ocorreu.
Foram à capital portuguesa o "tesoureiro informal" do PTB, Emerson Palmieri, e o onipresente Valério, gestor, como se sabe, das finanças subterrâneas do PT. A partir daí, surgiu uma série de versões -algumas um tanto imaginosas.
Flagrado mais uma vez, o empresário mineiro disse ter viajado em janeiro para tratar com a Portugal Telecom de negócios publicitários, já que a empresa estaria interessada em comprar a Telemig Celular, cuja conta pertence a uma agência da qual ele é sócio. Palmieri o teria acompanhado como amigo, por sentir-se "estressado". Viu uma oportunidade de relaxar em Lisboa durante dois dias.
Soube-se a seguir que Valério já havia, em outubro de 2004, desembarcado na capital portuguesa, onde se avistou com o então ministro de Obras Públicas, Transportes e Comunicações, António Mexia, por indicação da Portugal Telecom. No mês passado, o semanário português "Expresso" publicou reportagem na qual Mexia diz que Valério apresentou-se como "consultor" do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Foi então a vez de o Planalto negar tudo e afirmar que jamais autorizou o publicitário a se identificar dessa maneira. Ontem, o próprio Mexia, de acordo com o embaixador brasileiro em Portugal, disse não ter dito que recebera Valério na condição de consultor do presidente brasileiro.
Já a Portugal Telecom admitiu em nota oficial contatos com o empresário mineiro no contexto da possível compra da Telemig Celular, mas refutou de forma categórica e veemente que encontros tivessem ocorrido durante a viagem de janeiro.
Quanto às negativas de Dirceu, ficaram mais frágeis com a constatação de que o ex-ministro recebeu Valério e o representante no Brasil do Banco Espírito Santo (acionista da Portugal Telecom) em audiência na Casa Civil. A conversa ocorreu 13 dias antes do vôo de Valério e Palmieri. Ontem, por fim, o deputado Roberto Jefferson, que na terça-feira mencionara um encontro entre Lula e diretores da empresa telefônica patrocinado por Dirceu, recuou ao prestar depoimento à CPI do Mensalão. Afirmou que o primeiro mandatário nada tem a ver com o episódio ou com o "mensalão".
O caso, ainda envolto em névoas, precisa ser o quanto antes esclarecido. Vai gerando crescente impaciência e tornando-se cansativa a deliberada insistência do governo -ao qual Dirceu servia ainda há pouco- de que absolutamente nada sabia dos desmandos do PT, nunca ouvira falar do sr. Valério e jamais suspeitou de que em torno de si movimentava-se um vasto e milionário esquema de distribuição de verbas a parlamentares, tráfico de influência, intermediação de recursos privados e captura de estruturas e fundos públicos.

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