São Paulo, domingo, 29 de dezembro de 2002 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Lula e a autoridade DENIS LERRER ROSENFIELD
O presidente eleito não economizou nos atos simbólicos de afirmação de sua autoridade. Em meio às tratativas que levaram à composição da
atual equipe de governo, Lula deixou
claro, desde o início, que estava disposto a assumir a posição que lhe cabe de
direito, a saber, de autoridade máxima
do país. Essa formulação pode parecer
um truísmo, porém ela é reveladora de
que há em curso um rompimento com
determinadas práticas do PT nos níveis
estadual e municipal, em que o partido
deliberava sobre o secretariado.
Um dos embates mais interessantes do futuro governo será travado, no plano socioeconômico, entre os ruralistas, defensores da grande propriedade rural de alta produtividade, responsável por parte significativa de nossa pauta de exportações, e o MST, que defende a extinção da grande propriedade, denominada, sem mais, de latifúndio. No plano político, ele se traduzirá pelo conflito de competências entre o ministro da Agricultura, Fernando Rodrigues, e o ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto. Se questões de princípio estarão aqui envolvidas, não cabe superdimensiona-las a partir de uma oposição entre direita e esquerda. Primeiro, porque, nesses seus passos iniciais, o presidente eleito tem dado mostras de que não se pautará exclusivamente por essa distinção histórica. Segundo, embora a escolha de Rossetto tenha sido aplaudida pelos setores mais à esquerda do partido, ela pode também ser lida sob a ótica de que Lula escolheu alguém de esquerda para negociar com a própria esquerda, colocando esse setor do partido numa posição de eventual desgaste se as negociações não forem bem-sucedidas. Além do mais, Rossetto, como vice-governador do Rio Grande do Sul, pautou sua conduta pela eficiência administrativa e pelo bom nível de diálogo com os empresários. Por último, o episódio das negociações frustradas com o PMDB foi a oportunidade aproveitada pelo presidente eleito para desautorizar publicamente José Dirceu, homem forte do governo. Dirceu tem plena consciência dos problemas que o novo governo enfrentará nas negociações com o Congresso, de onde sua convicção de que deveria haver concessões em nome da governabilidade. Tendo contrariado interesses do PT e do próprio PMDB, ele foi forçado a recuar, deixando um flanco aberto no relacionamento com o Legislativo. Lula pautou a sua campanha na disposição do diálogo contínuo e incessante, porém, premido pelas necessidades de governar -logo de decidir-, está também optando rapidamente pelo exercício da autoridade. Num país como o Brasil, afeito a concessões particulares e corporativas, esse exercício pode ser um bom augúrio, sempre e quando o trabalho de composição com o Congresso for perseguido com igual afinco. Denis Lerrer Rosenfield, 50, doutor pela Universidade de Paris 1, é professor titular de filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Antônio Flávio Pierucci: Cadê nossa diversidade religiosa? Próximo Texto: Painel do leitor Índice |
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