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Prisões de pedófilos abrem debate sobre privacidade on-line
Microsoft e Google avisaram a polícia nos EUA sobre conteúdo suspeito hospedado em serviços das empresas
Companhias utilizam o sistema PhotoDNA como padrão para varrer e-mails em busca de pornografia infantil
Nas últimas duas semanas, dois homens foram detidos nos EUA por armazenamento e distribuição on-line de pornografia infantil. Os casos, que aparentemente não têm conexão direta, mantêm um elemento em comum: a denúncia partiu de empresas de tecnologia.
A prisão mais recente aconteceu no último dia 31 no Estado da Pensilvânia. A Microsoft alertou a polícia que um homem, na faixa dos vinte anos, havia hospedado e enviado imagens de pedofilia por meio dos seus serviços OneDrive e Live.com.
Um dia antes, em Houston, no Estado do Texas, o Google detectou imagens de pornografia infantil armazenadas na conta do Gmail de um homem de 41 anos. A polícia local foi avisada e acabou encontrando o conteúdo no tablet e no celular do homem.
Embora prisões de pessoas envolvidas com atividades dessa natureza sejam bem recebidas pela sociedade, a maneira como as investigações tiveram início levantaram questões sobre privacidade na internet.
Microsoft, Google e outras gigantes do setor ativamente monitoram os seus serviços à procura de fotos e vídeos de pornografia infantil. As buscas ocorrem independentemente de pedidos judiciais. E os usuários são avisados do monitoramento nos termos de uso dos serviços.
Mas quem garante que funcionários das empresas não têm acesso a toda e qualquer imagem nas contas de seus usuários? Nas revelações dos segredos da NSA, Edward Snowden disse que fotos de pornografia adulta são acessadas e até compartilhadas entre os técnicos da agência.
O Google afirma que não abre os e-mails de seus usuários. O monitoramento é feito de forma automática por meio de uma ferramenta chamada PhotoDNA, uma espécie de "teste genético" de fotos que procura por imagens previamente catalogadas por agências internacionais de combate à pornografia infantil, como o NCMEC (Centro Nacional para Crianças Desaparecidas e Exploradas, na sigla em inglês).
A tecnologia foi criada pela Microsoft e pelo Darthmouth College e doada ao NCMEC em 2009. Desde então, tornou-se padrão na indústria, sendo utilizada por Google, Microsoft, Facebook, Twitter e outras empresas.
"O que acontece com os outros casos em que o Google faz essa filtragem? Estamos falando de regras que são aplicadas para as pessoas e que não têm crivo público", diz Paulo Rená, jurista e pesquisador na área de defesa de direitos humanos na internet.
O temor de Rená é que o sucesso no combate à pornografia infantil leve ao monitoramento de outros tipos de violação da lei, ampliando a varredura em informações pessoais de usuários.
O Google afirma que não faz filtragens para outros tipos de crimes.
O monitoramento de crimes por parte de empresas privadas também é tema de preocupação da ONU. Em outubro será apresentado ao Conselho de Direitos Humanos e à Assembleia-Geral da entidade um relatório que fala da crescente dependência do Estado em relação a setores privados em questões de vigilância na internet.
"O ponto-chave dessa discussão é que nada obriga as empresas que monitoram seus usuários a prestar contas à sociedade. Esses dados não são incluídos em relatórios de transparência. Certamente deveriam constar", afirma Thiago Tavares, conselheiro do Comitê Gestor de Internet no Brasil.