Em
SP, acerto entre usineiros e governo prevê fim das atividades
em dez anos
Esalq/USP afirma que houve queda
de 20,9% no total de trabalhadores no setor entre 1981 e 2004,
de 625 mil para 494 mil
A profissão do bóia-fria da cana-de-açúcar
está com os dias contados no Brasil. É o que
aponta estudo da Esalq/USP, que mediu os efeitos da mecanização
das lavouras. Segundo a pesquisa, houve queda de 20,9% no
número total de trabalhadores rurais no setor entre
1981 e 2004, que passou de 625 mil para 494 mil. Em contraste
com essa queda, houve aumento de 166,3% na produção
de cana no período -de 156 milhões de toneladas
para 415 milhões de toneladas.
A mecanização vem aumentando ano a ano, segundo
o estudo, por ao menos três razões: econômica,
legal e social. Além do uso de máquinas otimizar
a produção e substituir o pagamento de mão-de-obra
-uma colheitadeira substitui o trabalho de cem cortadores
de cana-, foram criadas leis para extinguir a colheita manual.
Segundo a economista Márcia Azanha Ferraz Dias de Moraes,
da Esalq/USP e autora do estudo, o setor sucroalcooleiro tem
absorvido cortadores de cana em algumas funções
dentro da cadeia, como tratorista ou operador de caldeira
de usina, mas a grande massa de trabalhadores -muitos analfabetos-
ficará desempregada.
Em 2005, dos 519 mil trabalhadores da cana, 150 mil eram analfabetos
-o Estado de São Paulo tinha 30 mil. "Claro que
a mecanização vai desempregar e atingir justamente
essas pessoas que não têm escolarização
e não conseguirão ser absorvidas por outras
formas de trabalho. São necessárias políticas
públicas para começar a absorver essas pessoas,
mas até agora nada está sendo feito conjuntamente",
disse Azanha.
A pesquisa fez o levantamento da evolução do
número de empregados baseado em dados da Rais (Relação
Anual de Informações Sociais) e da Pnad (Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios).
Caminho sem volta
Ao menos no Estado de São Paulo já existe uma
data para o fim da profissão de cortador de cana: 2017.
É o prazo final firmado entre usineiros e a Secretaria
de Estado do Meio Ambiente, em protocolo assinado em maio
deste ano, antecipando o limite de 2031 que havia sido imposto
por lei estadual criada para eliminar gradativamente as queimadas
de cana -as queimadas, feitas geralmente à noite, são
necessárias para viabilizar o corte manual.
Outro fator é que nos últimos anos aumentou
a cobrança pelo cumprimento das normas trabalhistas
no campo, principalmente após a morte de 21 bóias-frias,
desde 2004, supostamente por excesso de esforço no
trabalho.
Neste ano, por exemplo, uma força-tarefa formada por
Procuradoria do Trabalho e Subdelegacia do Trabalho, com apoio
da Polícia Civil, fez várias blitze em canaviais
e alojamentos de bóias-frias no Estado em busca de
irregularidades trabalhistas, como a falta de registro, a
não-utilização de equipamentos de proteção,
jornada irregular e alojamentos precários.
Segundo a Unica (reúne as indústrias sucroalcooleiras),
de 42% a 45% da produção de cana no Estado de
São Paulo já é colhida por máquinas,
índice acima do nacional -entre 35% e 37%. "A
mecanização é uma trilha sem volta, e
as usinas vão buscar capital para se desenvolver",
disse Sérgio Prado, diretor da Unica na região
de Ribeirão Preto -uma colheitadeira custa cerca de
R$ 800 mil.
As novas usinas, por exemplo, já não contam
mais com a figura do cortador de cana, disse Prado. Segundo
ele, o papel de inserir os trabalhadores em outras áreas
quando a função de cortador for extinta deve
ser assumida em conjunto por empresas, sociedade e governo.
A massa de trabalhador sem formação é
também migrante, principalmente da região Nordeste
e do Vale do Jequitinhonha (MG). Muitas vezes eles embarcam
para as zonas canavieiras atraídos apenas por comentários
dos vizinhos sobre os ganhos no corte da cana.
"Só tem vindo gente nova. Cortador com mais de
cinco anos de safra não chega mais", diz a irmã
Inês Facioli, da Pastoral do Migrante. Segundo ela,
os cortadores mais experientes não suportam mais a
carga de trabalho. Neste ano, o campo tem assistido a um fenômeno
revelador dos novos tempos: em plena safra, migrantes estão
voltando para suas cidades por terem sido dispensados ou não
encontrarem trabalho nas usinas (leia texto nesta página).
Juliana Coissi
Folha de S.Paulo.
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