|
11/05/2007
Carta da semana
Virada parece ser só dos Racionais
“A Virada Cultural foi um sucesso tremendo. Um evento
do tamanho da nossa cidade, com a alegria e a criatividade
que São Paulo merece ver nas ruas. Sobre o ocorrido
no show dos Racionais, a palavra que vem a minha mente é
o lamento. O show mais paulistano dentro da virada acabou
sendo interrompido por uma selvageria que já é
conhecida por todos nós. Infelizmente, alguns poucos
indivíduos acabam dando razão àquelas
pessoas que já os rotulam e desprezam, e isso acaba
valendo para os dois lados da história. Os marginalizados
mais uma vez passaram como marginais e os policiais idem.
Esse relacionamento estremecido entre os policiais e as pessoas
da periferia já é algo que faz parte da rotina
de ambos, mas o que realmente me entristeceu foi a forma como
a mídia tratou o episódio. Mais uma vez o jornalismo
tendencioso tomou conta da história e isso é
prejudicial em diversos sentidos. Mancha um evento maravilhoso
e tenta desestabilizar um movimento que cresce a cada dia,
mostrando poder suficiente para se sustentar sem o apoio dessas
mídias. Houve um tumulto? Houve. Houve um confronto?
Houve. É lamentável? É. Mas, a forma
como foi divulgado o acontecido dava sempre a entender que
o fato havia acontecido porque era um show dos Racionais.
Com a habitual destreza, nada foi dito claramente, mas toda
a linguagem oculta era voltada para desestabilizar o movimento
e mais especificamente o grupo Racionais Mc's.
A minha motivação a escrever esse e-mail foi
o fato do jornalista Gilberto Dimenstein ter escrito
que as letras agressivas do Mano Brown "poderiam"
ter provocado o fato. Não estava presente no evento
e não posso dizer com clareza o que aconteceu. Mas,
procurei me informar sobre o ocorrido, procurei a análise
de diversos pontos de vista e a conclusão que chego
é que o grande problema foi os excessos de ambos os
lados. Sabemos que entre os fãs dos Racionais há
marginais. Há muitos marginais, há também
pessoas que não possuem respeito por bens públicos,
que não sabem se comportar em sociedade. Há
todo o tipo de pessoas. Mas os marginais, os que não
possuem respeito por bens públicos, os que não
sabem se comportar em sociedade e eles não são
assim por causa das letras do Mano Brown. Pessoas como essas
existiam antes do Rap, e essas mesmas pessoas lotam shows
de diversos outros nomes da música. Já vi brigas
piores em shows do Calypso, porém, ontem eles estavam
recebendo uma linda homenagem do Faustão. Homenagem
esta que pode ser merecida, afinal de contas não cabem
a eles escolher quais as pessoas que irão a seus shows.
Nem cabe a eles decidir quem gostará ou não
da música que eles fazem.
Com os Racionais o buraco é um pouco mais embaixo.
Porém, nada do que é cantado em suas músicas
foge da realidade na qual eles vivem (ou viveram). E muitos
questionam se a forma de protesto encontrada pelo grupo é
certa ou não. Alguns acreditam que podem mudar o mundo
com uma doação, outros acreditam que podem mudar
o mundo encaminhando e-mails, já eles têm a forma
deles de acreditar que podem mudar o mundo. E a forma radical
que o grupo utiliza reflete a visão de pessoas que
se encontram no olho do furacão. A linguagem é
forte e direta, pois para eles não há outra
forma de falar. Os exemplos são claros e assustadores,
afinal, essa é a forma que eles visualizam o problema.
Aqui estou justificando a raiva e a violência contida
nas letras dos racionais, mas basta prestar atenção
em uma ou duas músicas do grupo para perceber que a
mensagem transmitida é mais profunda que as histórias
contidas nas letras. O verdadeiro ponto que cabe aqui é
que mesmo se fosse um show de algum outro grupo que utilizam
de algum tipo de “violência” para ganhar
dinheiro, ainda assim, o conteúdo das letras seria
o menor dos problemas.
Se os problemas brasileiros fossem causados pelas músicas
que os retratam, baniríamos as músicas do nosso
país até que tudo fosse resolvido. O problema
da gravidez na adolescência e das doenças venéreas
seria facilmente resolvido com o banimento de músicas
com cunho sexual, como axé e o funk carioca. E até
os chamados crimes passionais seriam diminuídos com
a eliminação da “corno-music” caipira.
Sabemos que o problema é maior e mais complexo que
a influência musical. Fico triste com o acontecido,
pois a forma como o ocorrido tem sido divulgado prejudica
um evento que tem tudo para dar certo e se transformar em
uma referência da nossa cidade”,
Rafael Izzo - rafael_izzo@yahoo.com.br
|