Gualberto
Costa abriu, na praça Roosevelt, uma livraria especializada
em HQs que funciona até de madrugada
Há sete meses, Gualberto Costa resolveu se aventurar
e colocar suas poucas economias num inusitado negócio:
uma livraria especializada em histórias em quadrinhos,
na praça Roosevelt, aberta durante a madrugada. O horário
de funcionamento adaptou-se ao dos freqüentadores da
praça, uma tribo que aprecia a boêmia combinada
com o teatro alternativo, circulando em meio aos travestis,
drogados, mendigos e prostitutas.
"Sempre tive o projeto de criar um lugar que cultuasse
o universo das histórias em quadrinhos", conta
Gualberto, um dos idealizadores do principal prêmio
brasileiro para essa modalidade de arte gráfica, o
HQ MIX, cuja entrega ocorre hoje.
Provavelmente, se tivesse feito um "business plan"
para seu empreendimento, ele não receberia muito estímulo.
Se já é difícil manter uma livraria num
país de iletrados, imagine então num local como
a praça Roosevelt, cuja clientela que consome alguma
cultura só anda por ali de madrugada (nem sempre sobriamente),
mudando a paisagem do começo da rua Augusta.
Ele próprio seria um interessante personagem de quadrinhos.
No começo da década de 1970, prestou vestibular
para engenharia e arquitetura no Mackenzie. Estava convencido
de que deveria fazer, ao mesmo tempo, os dois cursos, que
lhe pareciam complementares.
No intervalo entre os dois vestibulares, comprou uma revista
alternativa de artes gráficas ("O Balão")
e leu uma matéria sobre cartunistas e autores de HQs
-alguns deles, informava o texto, estudantes do Mackenzie.
Local da leitura: praça Roosevelt. "Foi nesse
lugar, lendo a revista, que comecei a imaginar minha vida
de artista gráfico."
Naquele mesmo ano, Gualberto, sem nenhuma pretensão,
tinha vencido um concurso de histórias em quadrinhos.
Os cursos foram concluídos, mas serviram apenas para
levá-lo ao prazer da produção de HQs.
Isso, no entanto, durou pouco tempo -ele logo desistira da
profissão de desenhista. "Preferi ser um militante
da arte a ser um artista."
Ele preferiu ser um animador cultural. Participou da fundação
de salões de humor (como o de Piracicaba), liderou
o movimento para a criação de um museu de artes
gráficas (apesar de aprovado em decreto estadual, ficou
no papel) e, enfim, idealizou o prêmio HQ MIX.
A movimentação provocada pelos teatros alternativos,
trazidos pelo grupo Os Satyros, escrevia um roteiro da recuperação
de uma cidade. Lendo ou conversando com antigos moradores,
Gualberto sentiu-se tentado a quebrar o jejum de 15 anos e
a escrever um livro cujo cenário é a praça
Roosevelt, com seus antigos e novos personagens.
Gualberto ainda não sabe se tem um negócio para
ganhar dinheiro, mas desconfia que talvez tenha um bom caso
para contar -e, é claro, numa história em quadrinhos.
Coluna originalmente
publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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