Dessa
vez, foram os corpos das prostitutas da Luz, e não
os de Rodin, que ajudaram a produzir um olhar -e muita fila
As estátuas de Rodin provocavam uma gigantesca fila
em torno da Pinacoteca, esparramando-se pelo parque da Luz.
Uma das prostitutas que habitualmente batia o ponto na região
olhava, curiosa, aquela movimentação. Parou
um homem que passava pela calçada e perguntou: "Moço,
me diga aí uma coisa. Como uma estátua de gente
pelada consegue fazer tanto barulho?"
Passados tantos anos daquele encontro, Diógenes Moura
fez com que, na semana passada, os corpos das prostitutas
da Luz produzissem fila nos sóbrios salões da
Pinacoteca.
Diógenes nasceu em Recife, passou mais de 12 anos em
Salvador e mudou-se para São Paulo, onde assumiu a
curadoria das exposições fotográficas
da Pinacoteca. Como decidiu morar nas imediações
e ia caminhando até o museu, ele descobriu os movimentos
das diferentes tribos -de prostitutas, drogados e mendigos
aos imigrantes e aposentados, muitos dos quais dividem, em
determinados horários, os mesmos espaços. "Enxergar
São Paulo sempre foi um desafio para mim. Tenho a sensação
de que aquele que não entende a cidade é engolido."
Gente "engolida" pelas ruas é a paisagem
mais frequente da cracolândia, o símbolo da deterioração
urbana. Assistiu, em câmera lenta, a uma polêmica
decisão -a derrubada da grade entre o museu e o parque,
com suas prostitutas, mendigos, marginais, que faziam ali
receptação de furtos. "Deu uma insegurança
geral."
Os marginais não invadiram o museu -mas o museu invadiu
o parque, transformado numa galeria de esculturas a céu
aberto. Diógenes realizou exposições
numa antiga casa de chá, dentro do parque da Luz. Como
é escritor, ele tomava notas das cenas que via e das
frases que ouvia nos seus passeios, entre as quais a da prostituta
encantada com o poder de sedução de Rodin.
Nos preparativos para o Ano da França no Brasil, Diógenes
convidou o fotógrafo francês Antoine D'Agata,
da agência Magnum, para registrar a intimidade de prostitutas
que frequentam bordéis da Luz -e chegou a guiá-lo
por alguns endereços, onde receberam portas na cara.
"Tinha ficado muito impressionado com o trabalho dele
sobre a intimidade sexual."
Desde o sábado passado, as imagens fazem parte da mostra
"À procura de um olhar", mistura de fotógrafos
brasileiros e franceses, entre os quais Pierre Verger. Nunca
uma exposição fotográfica foi visitada
por tanta gente num único dia.
Foram 4.000 visitantes. "Batemos os recordes de todas
as nossas mostras fotográficas", orgulha-se Diógenes.
Dessa vez, foram os corpos das prostitutas da Luz, e não
os de Rodin, que ajudaram a produzir um olhar -e muita fila.
PS - Coloquei algumas dessas fotos de D'Agata neste
link.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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