São Paulo, domingo, 08 de dezembro de 2002 |
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Mostra propõe olhar atento às obras e abandono da "mitificação" do escultor mineiro Em busca de Aleijadinho
ALEXANDRA MORAES DA REDAÇÃO Antônio Francisco Lisboa, mais conhecido como Aleijadinho, teria nascido entre as décadas de 30 e 40 do século 18, morrido em 1814, vivido em Minas Gerais e, mesmo acometido por uma doença degenerativa, esculpia obras monumentais que traduziriam o "barroco mineiro". Certo? Mais ou menos. Uma exposição em SP pretende movimentar a definição desse suposto (único) "Aleijadinho", se seria apenas um escultor com limitações físicas e seus dois ajudantes ou se seria mestre de um ofício, com uma boa equipe à sua disposição . A discussão é daquelas que não acabam nunca, com pontos e contrapontos eternos, muito parecida com a querela travada em torno da autoria dos poemas de Homero há alguns séculos. Mas tem a intenção de, na verdade, evidenciar um pouco menos a vida do escultor e colocar em destaque a qualidade das obras e o que as tornam uníssonas. "A imagem, o mito do Aleijadinho é fortalecido sobretudo no começo do século 20", diz Dalton Sala, curador da exposição "Aleijadinho e Mestre Piranga: Processo de Atribuição e História da Arte", que reúne na Pinacoteca 35 obras atribuídas a Aleijadinho e outras nove de Mestre Piranga, todas peças do colecionador Renato Whitaker. "A obra do artista brasileiro que talvez seja o mais conhecido no Brasil e no resto do mundo precisa ser repensada", propõe Sala. Partindo de um princípio histórico, Sala, que pesquisa a identidade cultural brasileira, diz que "no Brasil colonial, pela própria legislação portuguesa, era exigido que os produtores de imagens e pintores trabalhassem em ofícios mecânicos, mantendo a estrutura medieval de mestre-jornaleiro-aprendiz, acrescida dos escravos. Portanto dificilmente essas muitas obras poderiam ser atribuídas a uma só pessoa, ainda mais com um "handicap'". Prender-se à discussão de quantos trabalhadores poderiam formar, de fato, um "Aleijadinho", no entanto, é algo visto como bizantino pelo curador. "O objetivo da exposição é abandonar a idealização do escultor e destacar a grande qualidade da obra, não só discutir dados biográficos." Que características, então, poderiam definir essa obra de um ou muitos Aleijadinhos? "Em primeiro lugar, os contornos dinâmicos e geometrizados, agudos, bem definidos. A talha é larga, fruto de um gesto largo e imediato. Além disso, as imagens sofrem todas uma ligeira inclinação, estão sempre um pouco projetadas para a frente", descreve Dalton Sala. "Há ainda o rebatimento das formas, a justaposição de superfícies, frutos dessa talha." A disposição das obras no espaço não ignorou essas características. Uma das inspirações foi a dinâmica dos profetas de Congonhas do Campo, em que há uma "comunicação" entre as imagens: elas se apontam e se entreolham. Recriar um pouco da atmosfera das cidades mineiras que guardam muitas das obras atribuídas a Aleijadinho pressupõe também lembrar sua relevância histórica, do reflexo do ciclo do ouro, da Inconfidência Mineira e de um Brasil ainda iminente. "Para a história da arte, a própria arte é o documento primário", afirma Sala. "Precisamos ver o que há por trás da personalidade mitológica. Isso nos impede de ver a grandiosidade; acabamos vendo o mito, a proeza em vez da qualidade da obra. Essa mitificação mascara o conhecimento." ALEIJADINHO E MESTRE PIRANGA - PROCESSOS DE ATRIBUIÇÃO E HISTÓRIA DA ARTE. Onde: Pinacoteca do Estado (pça. da Luz, 2, tel. 229-9844). Quando: de ter. a dom., das 10h às 18h. Até 19/1. Quanto: entrada franca. Próximo Texto: Mestre Piranga surge em nove esculturas Índice |
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